Privatização da loteria instantânea abre novo capítulo de perdas para a Caixa e o Brasil

Por Rita Serrano*

O governo Temer marcou para 4 de julho o leilão da Loteria Instantânea Exclusiva, a Lotex, administrada pela Caixa. A venda integra o Programa Nacional de Desestatização, com as empresas participantes disputando um contrato de 15 anos no lance mínimo de R$ 542 milhões. Há informações de que grupos da Itália, Portugal, Grécia e EUA manifestaram interesse. E, apesar da decisão controversa, o governo determinou que a Caixa não deverá participar do leilão.

A privatização da Lotex representa uma perda gigantesca para os brasileiros. As loterias Caixa, de forma global, registraram em 2017 uma arrecadação próxima a R$ 14 bilhões. Desse montante, quase metade (48%) foi destinado a programas sociais nas áreas de Educação, Esporte, Cultura, Saúde e Previdência, percentual que deve ser reduzido drasticamente, já que o leilão prevê repasse social de apenas 16,7%. Ao privatizar a partir de editais que só facilitam a participação de multinacionais estrangeiras, o Brasil vai aos poucos perdendo sua soberania, pois essas empresas não têm interesse em investir no País, ganham altas cifras e enviam as divisas para suas matrizes no Exterior. O mesmo critério vem sendo usado em outros casos, como na venda dos ativos da Petrobrás e subsidiárias da Eletrobrás, expondo a real intenção do governo golpista de dilapidar o patrimônio dos brasileiros.

Para explorar a loteria instantânea a Caixa chegou a constituir, em 2015, a Caixa Instantânea S/A, sociedade por ações de capital fechado. Nesse cenário, mesmo que a privatização da Lotex ocorresse, o banco poderia permanecer como sócio minoritário. Mas a decisão de promover a privatização apenas da outorga teve como resultado a exclusão da instituição do processo.

O valor a ser arrecadado no leilão também mudou, e muito. Em 2016 especulava-se em até R$ 4 bilhões; no primeiro edital, em 2017, com concessão de 25 anos, o valor mínimo estava em quase um 1 bilhão. Agora a expectativa caiu drasticamente, considerando-se o lance mínimo de R$ 542 milhões para 15 anos de concessão, um valor questionável. Segundo estimativas do Banco do Brasil, a concessionária arrecadaria, em apenas um ano, cerca de 7,6 vezes mais. Já a Caixa sofreria perda de receita potencial anual da ordem de R$ 4,2 bilhões. Considerando outra estimativa, a do Tribunal de Contas da União (TCU), a arrecadação da concessionária seria correspondente a 4,5 vezes a outorga mínima. Trata-se, portanto, de prejuízo ao erário e ao interesse público.

Além disso, o chamado payout (o equilíbrio entre o total arrecadado e o percentual destinado aos prêmios) fica na média dos 44% no Brasil, abaixo da média mundial, superior a 50%, e bem abaixo do estabelecido no leilão, de 65%. Isso significa que outros produtos das loterias da Caixa poderão perder significativamente na concorrência com as empresas estrangeiras que eventualmente venham a assumir as Loterias Instantâneas.

E há, ainda, um outro agravante nessa questão das loterias. A recente Medida Provisória que destina seus recursos para o Fundo Nacional de Segurança Pública (MP 841, de 11 de junho passado), que passará a receber a maior parte do dinheiro arrecadado. Mesmo sem qualquer leilão, essa MP já reduz o repasse de outros beneficiários, como cultura, esportes, Fies etc.

O movimento sindical e associativo e os parlamentares engajados na defesa de uma Caixa pública e para os brasileiros vêm reagindo aos ataques privatistas. Especificamente no caso da Lotex há uma emenda aditiva à MP 841 apresentada pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF) para que seja garantido o direito da Caixa em participar do leilão ou que, posteriormente, possa ter participação societária ou, ainda, integração contratual ao consórcio vencedor. Já uma análise jurídica realizada para a Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas e Fenae aponta que a exclusão da Caixa do processo contraria o interesse público e a economia popular.

Por conta disso, representantes da Fenae e do Sindicato dos Bancários de Brasília se reuniram no último dia 20 com o procurador da República Carlos Henrique Martins Lima, do Ministério Público Federal (MPF), para denunciar os problemas e solicitar análise do órgão quanto à privatização da Lotex.

Os brasileiros devem ter clareza de que as loterias não são apenas um entretenimento ou jogos de azar. Elas são fundamentais para a existência de muitos dos programas sociais que conhecemos hoje e podem simplesmente desaparecer, deixando milhões de pessoas na mão, além de tirar da Caixa uma operação que contribui para a importância e manutenção do banco público. As consequências virão inclusive para os empregados da instituição, que já sofrem hoje as investidas privatistas com reduções e cortes de postos e direitos. Com a venda da Lotex, não há vencedores no Brasil.

 

* Rita Serrano é representante dos empregados da Caixa no Conselho de Administração e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. É mestra em Administração