PELO FIM DO “JABÁ”

Marcelo Pera


 


Neste megaphone, em função da discussão atual sobre formas de combate ao ‘jabá’ nas rádios brasileiras, gostaríamos de apresentar nosso ponto de vista. A premissa desta tese é de que o ‘jabá’ é um mecanismo gerado pelo sistema. Defendo-a com o exemplo a seguir…


Matéria publicada na Revista Época de 27 de fevereiro de 2006: “O que o doutor não diz pra você” (O inglês Vernon Coleman, antes um médico como outro qualquer, acabou por se tornar um dos mais ácidos – e espirituosos – adversários da medicina convencional) “… Escreveu o livro ‘Os Profissionais da Medicina’, no qual acusava os médicos de manter relações promíscuas com a indústria farmacêutica e indicar aos pacientes remédios demais…”


“Época – A indústria farmacêutica influencia nas decisões dos médicos? Vernon Coleman – É fácil responsabilizar a indústria – e muitas de suas práticas são grotescamente antiéticas. Mas acho que os médicos devem levar essa culpa. A indústria faz o que nasceu para fazer: dinheiro…” .


Termino o meu exemplo com a frase emblemática acima, que simboliza o seguinte: em nossa sociedade, agentes econômicos são eleitos para cumprir um determinado papel, ou seja, uma função social ou econômica não é criada do nada. Digamos que seja uma oportunidade gerada pelo sistema. E assim, podemos dar inúmeros outros exemplos. Os EUA são os ‘imperialistas’ do nosso tempo. Não fossem eles, certamente outra nação estaria cumprindo esse papel. Na área da saúde, é quase de senso comum o investimento que a indústria farmacêutica faz, oferecendo jantares, televisões e viagens aos divulgadores de seu produto. E assim por diante… Na música não é diferente.


Algumas pessoas ainda questionam a origem da queda de qualidade artística que ocorreu na música executada pela grande mídia a partir dos anos 90. Ora, a indústria fonográfica, como qualquer outra, reage a uma demanda. Não existe nenhum executivo de grande gravadora ditando o que o povo vai ouvir ou deixar de ouvir. Eles simplesmente correm para atender a uma demanda antes da concorrência. Neste caso, a questão se torna: quem cria a demanda? Parece-me claro que isso também é uma questão gerada pelo sistema. Podemos dizer que a falta de investimento em educação pelos agentes governamentais é uma das causas. Também podemos citar o papel duvidoso da grande mídia na sua tentativa de suprir essa ausência do Estado no papel de educador.


Dito isto, falemos sobre o ‘jabá’. Então, conheci um grupo intitulado ‘Movimento pelo fim do jabá’, movimento este liderado por artistas independentes, pessoas aguerridas e muito bem-intencionadas. Recomendo inclusive que quem se interessa pelo assunto procure essa comunidade no orkut. À primeira vista, portanto, o que se deseja é acabar, terminar, abolir com a prática do ‘jabá’. Apresenta-se assim um projeto de lei (ou uma emenda a uma lei já existente, parece-me de 1962?????) onde a prática de extorsão ou corrupção, conhecida como ‘jabá’, se tornaria crime inafiançável. Ora, muito bem, perfeito, isso é crime mesmo. Mas como será cumprida tal lei?


Essa resposta passa pela criação de algum mecanismo de fiscalização… o que me lembra que isso é outra grande oportunidade para ali se instalar a corrupção! Não é assim que as coisas têm acontecido em nosso país? No meu entender, já temos leis demais; a maioria delas sendo solenemente desobedecidas, ou até mesmo ignoradas pela maioria da população! Criar-se uma lei e não pensar em como ela será aplicada, no Brasil, tornou-se uma ingenuidade sem tamanho.


Acompanhei algumas discussões sobre a questão do ‘jabá’ num passado recente em reuniões da ABMI (Associação Brasileira de Música Independente). Se não existissem propostas alternativas para, ao menos, abrandar tal prática, concordaria que a criminalização seria um bom primeiro passo. De qualquer forma, nunca a solução.


Será que podemos interromper ou adulterar uma questão sistêmica através de uma lei? Na minha opinião, alguns, talvez por ingenuidade, pretendem apenas nominar culpados! O próprio Sr. Lobão, que defende a criminalização do ‘jabá’, viveu dentro deste mundo até que passou a não mais ser beneficiado por ele. Da mesma forma, parece-me que temos muitos independentes (por favor, não os líderes do movimento, mas oportunistas existem em toda parte) loucos para se tornarem dependentes. Deseja-se enfim abolir-se o ‘jabá’ ou lamentar-se por não fazer parte dele? Portanto, há que se ter cuidado para que isso não se transforme num problema ‘pessoal’. Se continuarmos a criar leis sem fim, vamos andar pelas ruas de mãos atadas, todos prisioneiros de um sistema viciado e vicioso, que só limita quem não se corrompe.


Dentro do meu limitado conhecimento sobre o assunto, a proposta mais inteligente que ouvi, e com mais chances de se tornar eficaz, é a de adoção de um repertório mínimo. Nessa proposta, as rádios (lembrem-se que elas são concessões públicas) seriam obrigadas a executar um mínimo de ‘x’ músicas em cada 24 horas de sua programação. Isso, teoricamente, abre o leque de gêneros musicais a serem executados, ou pelo menos amplia o número de artistas ‘beneficiados’ pela execução de sua obra artística.


Aí resta o problema da fiscalização. Nessa proposta, existe uma dupla solução. A primeira, é que essa estrutura de fiscalização já existe, uma vez que as rádios já emitem relatórios ou listagens daquilo que executam ao ECAD. A segunda, e mais instigante, é que o próprio ouvinte se torna um fiscal. Ao acompanhar a programação, o ouvinte sabe quantas vezes determinada música foi tocada, o que remete a um bom trabalho de educação e de formação de senso crítico. Não é disso que estamos precisando?

Não desejo aqui dividir ou polemizar, mas essa discussão, ao que parece, pode e deve avançar para uma solução mais moderna, que definitivamente possa banir uma prática lamentável, que peca contra nossa cultura e, portanto, contra a nação.

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