Lula: “Quero paz e democracia. Mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também”

Um ato político realizado na noite da última terça-feira na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, reuniu trabalhadores, intelectuais, cientistas, artistas e estudantes e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva em torno da necessidade de defender a Petrobras. Atacada dia após dia por uma intensa campanha de desmoralização, a empresa já chegou a apresentar prejuízos, com a queda do valor das ações. A corrupção foi revelada por uma operação da Polícia Federal cujas principais fontes são envolvidos que receberam o benefício da delação premiada. Enquanto isso, grandes investidores estrangeiros correm a adquirir as cotas despejadas no mercado por acionistas assustados. O ato foi promovido pela CUT em parceria com a Fundação Única dos Petroleiros – FUP.

O ato na ABI teve a presença de nomes importantes de várias áreas, como o escritor Eric Nepomuceno, o jornalista Luiz Nassif, o físico Luiz Pinguelli Rosa, o advogado Wadih Damous, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, o casal de produtores e cineastas Luci e Luiz Carlos Barreto, entre outros. Os blogueiros progressistas e midialivristas também compareceram e sua presença foi destacada por Lula, que apontou o papel importante destes grupos no contraponto à guerra de desinformação feita pela grande mídia.

Personalidades

O jornalista Luiz Nassif foi o primeiro a falar e lembrou a reportagem que fez quando da comemoração dos 25 anos da Petrobras, que ele chamou de “primeira iniciativa de criação de uma base industrial no Brasil”. Nassif também considerou a importância simbólica da empresa, presente desde a campanha O petróleo é nosso, que lhe deu origem. “Uma das primeiras vezes que a voz do povo se elevou foi para a criação deste símbolo de emancipação econômica”, lembrou o jornalista.

Em seguida falou o escritor Eric Nepomuceno, que lembrou a resposta que deu numa entrevista há alguns dias. “Não há nenhum interesse estranho por trás desta campanha de desmoralização da Petrobras. O que há é a campanha, e o interesse não está por trás nem é estranho, está claríssimo”, avaliou. O físico Luiz Pinguelli Rosa destacou que, junto com os corruptos, querem derrubar todo o esforço de pesquisa e desenvolvimento que a Petrobras faz desde o início de sua fundação. “Há uma campanha contra a tecnologia, contra a engenharia desenvolvida pela Petrobras”, apontou.

O advogado Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB e diretor da OAB-RJ destacou o caráter do linchamento público da empresa. “Há uma investida antipatriótica. Nenhum de nós bate palmas para corrupção. Mas os envolvidos devem responder nos termos da lei. Não podemos permitir que, em nome do combate à corrupção, se afrontem direitos constitucionais. Hoje, ao invés de respeitar o direito ao contraditório e à ampla defesa, trabalha-se com a presunção de culpa. Estão transformando a delação premiada em chantagem, através do medo e da intimidação”, criticou Damous. Vic Barros, presidenta da UNE, foi veemente na crítica à cobertura que a imprensa vem fazendo da crise na empresa. “O que a mídia está fazendo é uma espetacularização das denúncias”, apontou.

Joao Pedro Stedile, líder do MST, adiantou a Lula e aos sindicalistas presentes que os trabalhadores do campo – não só do MST, mas também de outros grupamentos e entidades, como o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Comissão Pastoral da Terra – marcharão com os demais trabalhadores “para o que der e vier”. Para Stedile, a Petrobras é “a zeladora constitucional da maior riqueza que o povo ainda tem”. O líder camponês ainda destacou que a desmoralização da Petrobras tem o toque das empresas estrangeiras do setor de petróleo e energia. “As aves de rapina do Norte, as 7 irmãs, querem abocanhar o pré-sal e estão usando os tucanos para isto”, acusou. Ao final, fez um apelo a Lula: “Saia do Instituto, venha para as ruas. O povo está pedindo de volta o velho Lula de São Bernardo”, chamou Stedile.

José Maria Rangel, presidente da FUP, ressaltou que a Petrobras é fundamental para a economia do país, investindo R$ 300 milhões por dia, gerando 18 empregos diários na indústria naval – que só voltou a existir graças à encomenda de navios e plataformas para exploração e transporte de petróleo. Rangel lembrou que, em 2002, a empresa tinha 41 mil funcionários e que, atualmente, já tem mais de 86 mil e que é a empresa que mais investe em pesquisa e tecnologia no país. “Temos que nos orgulhar da empresa, como se orgulham os companheiros do Sindipetro-NF, que vestiram o macacão para vir aqui hoje. Nossa Petrobras não é a do Paulo Roberto Cunha, não é a dos predadores”, afirmou o sindicalista.

O bancário Vagner Freitas, presidente da CUT, destacou que a campanha de desmoralização da Petrobras não é um ato isolado, faz parte de uma estratégia dos setores dominantes para retomarem o poder, perdido com a eleição de Lula em 2002. “A direita não tem autoridade moral para criticar a corrupção. Não tenham dúvidas de que se trata de luta de classes”, avaliou. Freitas também criticou o anúncio de mudanças em direitos trabalhistas. “Não aceitamos a retirada de direitos. Não aceitamos que o ajuste fiscal seja feito no couro da classe trabalhadora”, alertou. O sindicalista ainda deixou clara a posição da central. “A CUT está onde sempre esteve: ao lado dos trabalhadores, ao lado do Brasil. E defender a Petrobras é defender o Brasil”, concluiu, citando o slogan da campanha.

Os recados de Lula

O ponto alto e mais esperado foi o discurso do ex-presidente Lula, calorosamente saudado pela assistência, que cantou palavras de ordem em sua chegada e quando foi anunciado pelo mestre de cerimônias. Bem-humorado, após os agradecimentos, Lula entregou o discurso preparado ao presidente da FUP, José Maria Rangel, e decidiu falar de improviso. Começou fazendo graça com o chamado de Stedile: “Se a Marisa estiver assistindo de casa, ela vai gostar do que o Stedile disse. Porque tudo o que a Marisa quer é que esse Lulinha aqui volte a ser o Lula do Sindicato”, brincou o ex-presidente.

Sempre usando experiências pessoais para argumentar, Lula relatou que, durante o tratamento do câncer, leu muito, principalmente biografias que lhe permitiram compreender melhor o país. Citou a biografia de Getúlio Vargas e também o ocorrido com outros presidentes que foram perseguidos. “Eles continuam fazendo hoje o que sempre fizeram a vida toda. A ideia básica é criminalizar antes. Tornar bandido antes de você ser investigado e julgado. Vai ser criminalizado pela imprensa”, resumiu. O ex-presidente ainda destacou que, no caso da crise na Petrobras, o objetivo é punir a empresa e criminalizar a política. Lula lembrou que a criminalização da política traz resultados piores e citou o caso dos países que viveram a chamada Primavera Árabe e a ascensão do governo conservador na Itália. “Depois da famosa operação “Mãos Limpas”, em que 1.080 pessoas foram presas, 14 pessoas se suicidaram e vários partidos acabaram o resultado foi: Berlusconi”, lembrou.

Lula entende que esta reação conservadora que está ocorrendo no Brasil é fruto da rejeição à ascensão social de uma parcela da população. Lembrou que, durante a campanha para a reeleição da presidenta Dilma, era considerado ofensivo ser beneficiário do Bolsa Família ou estudar através de bolsa do Pro-Uni. “A elite não se conforma com a ascensão social que aconteceu neste país. Os pobres não subiram dois degraus, subiram apenas um. As pessoas não passaram a comer o que era dos outros, passaram a comer apenas o que era necessário”, argumentou.

O presidente destacou seu comprometimento com a Petrobras, citando as inúmeras visitas a plataformas, o comparecimento a atos, a defesa da empresa, da indústria naval e do conteúdo nacional desde a campanha eleitoral de 2002. Lula ressaltou que os funcionários da Petrobras não devem andar cabisbaixos e envergonhados em função das denúncias de corrupção que a mídia tem alardeado. “Se eu fosse petroleiro aqui no Rio de janeiro, eu passava a passear no dia de domingo com essa roupa amarela”, falou, dirigindo-se aos petroleiros de macacão que se encontravam à esquerda do palco.

Lula destacou que os interesses internacionais que estão por trás da campanha já podiam ser percebidos desde o anúncio da descoberta das reservas de petróleo. “Quando descobrimos o pré-sal, os americanos inventaram a Quarta Frota e passaram a ter navios controlando o Atlântico. E a resposta não foi reclamar da Quarta Frota, foi criar o Conselho de Defesa da Unasul, para juntar todas as forças daqui”, lembrou. O presidente ainda demonstrou que a aprovação do sistema de partilha, em que a Petrobras fica com parcela de tudo o que for explorado por petrolíferas privadas em jazidas localizadas em áreas brasileiras, é o motivo de tantos ataques à empresa.

O ex-presidente também mandou um recado para sua sucessora. “A Dilma tem que deixar o negócio da Petrobras para a Petrobras. A corrupção para o Ministro da Justiça, para a Polícia Federal ou para a Justiça. Ela tem que levantar a cabeça e dizer: Eu ganhei as eleições e vou cuidar do meu país”, recomendou. “Nós ganhamos as eleições e parece que estamos com vergonha de termos ganho. Eles perderam e estão todos pomposos por aí”, avaliou Lula.

A reforma política, defendida por Lula há muitos anos, foi lembrada novamente, com a proposta de tornar o financiamento privado de campanha um crime inafiançável. O ex-presidente também mandou um recado à imprensa. “O povo já consegue fazer análises sem precisar ouvir o formador de opinião pública deles”, disparou.

Lula encerrou citando, mais uma vez, sua vida pessoal. “O mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito de andar de cabeça erguida. E ninguém me fará baixar a cabeça neste país. Honestidade não é mérito, é obrigação”, defendeu.

A palavra final do ex-presidente soou como um aviso às elites conservadoras: “Eu quero paz e democracia. Mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também”, concluiu Lula.

Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES