ENTREVISTA DE JOSÉ DIRCEU À REVISTA CAROS AMIGOS

João de Barros – Você diz que o Congresso representa o povo brasileiro, mas não acha que o poder econômico desfigura um pouco essa representação legislativa?

 

O poder econômico não desfigura porque representa o que é a sociedade. O problema é como, numa sociedade onde o poder econômico está muito concentrado, você abre espaços na institucionalidade para permitir que as forças políticas populares se expressem. No Brasil existe isso. Existem a CUT, a Contag, o MST, a Central de Movimentos Populares, ONGs, temos aí pelo menos 25 anos de acúmulo de forças…

O que não temos no país, e acho um pouco por erro nosso, é que tanto os sindicatos como o Movimento Sem-Terra, como a Contag poderiam ter mais poder econômico se tivessem desenvolvido mais formas de organização cooperativa, bancos, se tivessem desenvolvido instrumentos de poder econômico. Alguns anos atrás, eu via no Movimento Sem-terra uma variante, um lado de cooperativas, de agroindústrias, que podia ter evoluído, como na Europa evoluiu, para combinar o poder sindical e o poder político que todas as forças sociais e empresariais da sociedade têm. Ou se expressam através dos partidos, de parlamentares, ou através de instrumentos de comunicação. Nós não temos instrumentos de comunicação, disputamos espaço na grande mídia. Cada vez menos. Porque cada vez menos são respeitados os manuais de redação, cada vez menos são respeitados o outro lado e o direito de resposta e, principalmente, que é necessário ter provas, pelo menos ter o devido processo e julgamento para acusar ou julgar alguém…

Acho que o país vai, passados os anos, poder avaliar essa fase que estamos vivendo e ver que ela foi bem macartista…

 

Marina Amaral – Por que vocês não fizeram a reforma política e a administrativa?

 

Foi um erro nosso. Mas havia obstáculos. Primeiro talvez não se conseguisse maioria, mas não vou nem por aí. Porque estávamos totalmente soterrados com a crise econômica, com o risco de a economia se desorganizar com uma hiperinflação no início do governo…

 


João de Barros – “ Voltando um pouquinho: quem no início do governo deu o norte?” Vamos apostar no Congresso, deixar a base social de lado pra poder governar”…

 

Não é verdade que o governo do Lula deixou a base social de lado. Ao contrário, inaugurou as conferências na área de saúde, educação, meio-ambiente, quase todos, mulher, negro, índio, pesca… Mobilizou as organizações sociais e populares, as ONGs e as principais frentes no país todo.

 


João de Barros – O movimento de massas está em refluxo.

 

Está. Mas não por causa do governo Lula. É outro problema. Movimento de massa é uma coisa. Você está falando de mobilização de massa para sustentar e apoiar o governo. Isso, o governo não fez, eu critico o governo, acho que foi um erro. Mas ele abriu para as organizações sociais, para o movimento social e popular uma participação no governo, na vida política do país que não existia. Descriminalizou os movimentos, tirou a repressão, abriu o diálogo, negociações, inclusive servidores públicos que não eram nem reconhecidos, nem sentavam à mesa. A minha avaliação é que, com exceções, os movimentos não deram a devida importância e não aproveitaram isso  na medida do possível…

 


Marina Amaral – Mas sempre se disse que o Governo Lula na faz um governo de esquerda porque fez alianças…

 

O governo Lula faz um governo de centro-esquerda porque as condições do Brasil não permitem fazer um governo só de esquerda. Muito menos de extrema esquerda. Agora, é só a direita voltar pro governo, vocês vão lembrar que o governo do Lula era um governo de esquerda. Deixa só acontecer e vocês vão ver.

 


João de Barros – Você disse em determinado momento que a mídia é uma poderosa inimiga do governo, que manipula…

 

A mídia é a mídia. Tem partido e interesses.

 


Marina Amaral – Você assinaria embaixo a declaração da Marilena Chauí de que a crise é um produto da mídia?

 

Acho que o peso da mídia nessa crise é determinante e a direção que a crise tomou foi muito dirigida pela imprensa. A mídia diz que é opinião pública, eu digo que é opinião publicada que dirigiu grande parte da opinião pública em  certo sentido…

 

Marina Amaral – Mas isso nos editoriais. E o noticiário foi distorcido?

 

Acho que muitas vezes a mídia na toma partido e tenta influenciar pelo noticiário. Prefiro que tome partido no editorial e deixe o noticiário. E obedeça estritamente o manual de redação, ouça o outro lado e respeite o direito de resposta. Na verdade, a legislação no mundo está evoluindo. O Caio Túlio (Costa), em um programa que fiz no Observatório da Imprensa, do Alberto Dines, disse que na Suécia na se pode publicar o nome e fatos de um processo até transitar em julgado. No Brasil eu na diria tanto, mas, na forma como está, se condena antes de ser processado.

 


Marcelo Salles – Lula reeleito, você vê condição de levar a política econômica claramente para a esquerda?

 

O problema não é levar a política econômica para a esquerda, o problema é viabilizar no país condições de um crescimento que se transforme em desenvolvimento, o problema é viabilizar uma administração da dívida pública interna e do combate à inflação que permita ao país fazer investimentos em educação, tecnologia, inovação e na infra-estrutura principalmente, e que combata a pobreza, mas cresça mais. O país precisa crescer o dobro do que está crescendo, no mínimo.

 

Marcelo Salles – Pra isso não precisa mudar a política econômica?

 

Não sei se precisa, depende, pode fazer inflexão na política econômica, isso tem que pactuar, porque são muitos interesses em muitos setores – do capital financeiro, bancário – que têm força no país, no Congresso, têm força dentro no governo.

 

 

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