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A OAB e a Democracia — qual é a razão de ser da Advocacia moderna?

Ericson Crivelli *

 

A ameaça do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao direito de greve dos bancários nos traz importantes elementos à reflexão. É o que tentaremos fazer adiante. Recordamos que o exercício da advocacia como profissão, tal qual a conhecemos, é fruto da modernidade. É certo que conhecemos o seu ofício desde a antiguidade. Como operadores do Direito, tinham as suas funções umbilicalmente ligadas ao Estado. Assim foi em Roma, Grécia e onde quer que um terceiro tenha se proposto a representar os interesses de indivíduos ou grupos em um conflito. Havia, em alguma medida, uma intermediação entre o Estado e os indivíduos, mas o Estado era o provedor do serviço prestado pelo terceiro. Ainda assim, a profissão associou-se, desde tempos imemoriais, à ideia da busca da justiça.

Não é, no entanto, da advocacia na antiguidade que estamos interessados aqui, mas do seu exercício na modernidade. A advocacia, tal qual a conhecemos hoje, emergiu das formidáveis transformações sociais e econômicas que ocorreram após a era das luzes. Desta forma, a advocacia dos tempos modernos é contemporânea, não por acidente, do direito monista e universal, do próprio Estado moderno e, mais adiante, da democracia contemporânea.

Recordamos, àqueles que banalizam a advocacia ou esforçam-se para reduzi-la às negociatas de balcão, que o Direito que ficou para trás com o advento da modernidade, era o direito fragmentário da nobreza, Igreja, corporações de ofício ou dos servos da gleba. Dá para imaginarmos que Direito e que interesses encontravam defensores no mundo social e econômico do medievo, só para restringirmos nossas considerações a esse período que tomou séculos de história da humanidade.

Imaginemos o quão importante foi conquistarmos um só Direito, uma só fonte: o Estado. Tomemos como parâmetro o enorme passo que foi dado pela humanidade ao reconhecer que todos os indivíduos, independentemente de sua origem social, condição econômica e gênero, são portadores de direitos e são iguais no exercício dos mesmos, sobretudo perante os poderosos e o Estado.

O Estado moderno, o seu direito universal, sob a égide do Estado liberal, incluiu toda a sociedade então existente debaixo de direitos e garantias individuais. Na sequência, em função do esforço para dar-se efetividade material à igualdade jurídica e formal dos indivíduos — tão duramente conquistada pela sociedade civil —, reconheceu-se a organização dos indivíduos em associações e sindicatos. Este processo de mudança acrescerá ao Estado de Direito, símbolo seminal deste processo de avanços do Estado moderno, o conceito democrático constituindo o Estado Democrático de Direito. Mais adiante, far-se-á a inclusão do adjetivo Social entre o Estado e o Democrático, como ocorreu com a nossa Constituição de 1988.

Ora, as consequências desse processo, tecido meticulosamente durante alguns séculos pelos nossos antepassados, não foram nada triviais sobre a advocacia e seus profissionais. A figura do profissional moderno do Direito é daquele que, formado tecnicamente para o seu mister, está disponível para patrocinar os direito dos indivíduos, empresas e organizações sociais em busca de justiça. O sentido de justiça foi apurando-se e moldando-se a esta sociedade que pleiteia a igualdade de todos perante a lei. Não é por outra razão que o sentido moderno da ideia de justiça está associada à ideia de igualdade.

Quando se diz que há uma lesão de direito, esta ruptura nas relações jurídicas, sociais e econômicas rompe com o equilíbrio entre as partes em uma determinada relação. Equilíbrio que só se refaz na igualdade. Este Direito se realiza na sociedade contemporânea de massas através do regime democrático, que também tem por base a ideia da igualdade dos eleitores.

Qual é o papel dos advogados na sociedade contemporânea de massas organizada através do regime democrático? Lembramos que agora, como outrora, os poderosos de sempre, os plutocratas, não necessitariam ter a seu dispor profissionais cuja existência e exercício vêm regulados pela lei do Estado organizado democraticamente. Quantos nobres e cardeais não correram os palácios na defesa dos interesses materiais da nobreza e seus beleguins? A razão da existência da profissão regulada é submeter a todos, do operário ao capitalista, a um profissional formado e que exerce o seu mister sob as mesmas exigências (outra vez a ideia da igualdade).

Isto tudo posto para demonstrar que a profissão organizada serve àqueles despossuídos de poder econômico e político para fazer com que seus representantes percorram os corredores dos palácios da Justiça e do Poder Político em busca da efetividade da justiça, ou seja, do exercício da igualdade. Logo, não há que se duvidar que a Advocacia é um instrumento do regime democrático e dos valores que lhe alicerçam.

É claro que aqui estamos descrevendo, como diria Weber, um tipo ideal, um padrão a ser buscado pela sociedade. Nem sempre foi assim que as coisas funcionaram. No regime autoritário, no qual estivemos mergulhados por mais de duas décadas, os seus opositores, entre outros os sindicatos — a Comissão da Verdade desvendou histórias que mostraram a presença de militares nas linhas de montagem de grandes indústrias para evitar uma greve —, enfim, todos que perderam com suas políticas excludentes e repressoras não encontraram eco ou defensores em Brasília.

Neste período, as poderosas associações da indústria nacional, confortavelmente instaladas em palácios da Avenida Paulista, faziam seus representantes “desembaraçarem” seus interesses nos corredores dos Ministérios na Capital da República. Não foi por outro motivo que o festejado cientista político argentino, já falecido, Guillermo O’Donnell, denominou a nossa ditadura como “regime burocrático autoritário”.

Feitas estas considerações qual é a razão de ser da advocacia na sociedade contemporânea? Qual é razão de ser de uma associação ou organização que represente os profissionais que exercem a advocacia? Cabe uma resposta num único diapasão: a defesa dos direitos individuais e coletivos dos materialmente despossuídos e do regime democrático.

Não se quer dizer que os interesses do capital e daqueles que são social e economicamente empoderados não sejam legítimos. A ideia da sociedade democrática e do convívio e tolerância entre os desiguais legitimam social e politicamente seus interesses. Aqui se reconhece a sua a sua legitimidade. Não é disso que estamos falando.

A ideia do Direito organizado e da sociedade democrática é exatamente serem vocacionados para mitigar estas diferenças e sustentar a ação dos “desempoderados”. Este é o papel que se pede à advocacia e à OAB: a defesa intransigente dos direitos fundamentais dos cidadãos e da democracia.

Desta forma, não se compreende o porquê de a OAB ter voltado as suas costas, como o fez na construção do regime autoritário — recordamos o apoio da OAB ao golpe de 64 —, ao papel da efetivação da igualdade, logo, da Justiça. A OAB apoiou o impeachment da presidente eleita num jogo político de interpretação da Constituição no mínimo duvidoso e que poderá deixar feridas na nossa democracia.

Agora, fomos surpreendidos com a insistência da OAB Federal para que seus órgãos estaduais se lancem contra a greve nacional dos bancários. Uma greve cujas legalidade e legitimidade nem mesmo a Fenaban ousou questionar. Por toda parte, os seus órgãos estaduais têm sofrido pressão para pedir a sua abusividade e ilegalidade, sob o pretexto de garantir o acesso dos advogados aos alvarás judiciais, bem como pedem o funcionamento de todas as agências do Banco do Brasil.

Recordando que este governo de turno tem dois banqueiros: um no Ministério da Fazenda e outro na presidência do Banco Central. O Conselho Federal tudo fez e tudo tem feito no último ano para jogar o órgão na defesa dos poderosos e economicamente empoderados, mantendo silêncio frente aos ataques aos direitos fundamentais do garantismo aos réus na ação da Polícia Federal e do MPF. Fazem a defesa intransigente da liberdade de expressão, quando esta serve ao cartel da grande mídia e silencia aos ataques e provocações da PM paulista nas manifestações de rua da nossa juventude.

Agora, este Conselho resolveu estimular, como se faltassem provas dessa opção autoritária, o posicionamento contrário ao direito de greve dos bancários — direito este constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores —, prestando um serviço, ao que se saiba, não solicitado pela própria Fenaban. É de se perguntar: quando este órgão se recusa a exercer o seu papel ao qual estaria vocacionado na sociedade democrática, qual tarefa lhe estará reservada no futuro?

A OAB, aliando-se a esses interesses do mercado, sobrepondo-os aos da sociedade, busca a sua deslegitimação. A quem serve um órgão com receita parafiscal e privilégios legais e processuais numa sociedade regida exclusivamente pelas regras do mercado? Com a palavra o nosso bâtonnier.

 

 

* Ericson Crivelli  é advogado trabalhista em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, ex-professor adjunto de Direito do Trabalho da UNESP, consultor da FAPESP, mestre em Ciência Política pela UNICAMP, doutor em Direito Internacional pela USP, membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-SP e do Conselho da AATSP.

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Voto e Servidão Voluntária

Frei Betto*

 

La Boétie publicou, em 1576, o Discurso da servidão voluntária, texto no qual analisa esse estranho fenômeno que faz certas pessoas abdicarem de sua autonomia para pensar pela cabeça alheia e agir segundo o seu mestre mandar.

Ocorre em todos os âmbitos, desde a mulher que se deixa subjugar pelo marido ao funcionário que jamais questiona as ordens do chefe. Aliás, os criminosos nazistas e os torturadores brasileiros que chegaram às barras dos tribunais alegaram, em sua defesa, o cínico argumento de que “cumpríamos ordens”.

Outro dia, perguntei a uma senhora a quem dará seu voto para prefeito. “Naquele que Deus mandar”, respondeu. Espantei-me e, confesso, com uma ponta de inveja. Sempre quis saber a vontade de Deus quanto aos meus passos na vida. Tenho uma fé entremeada de incertezas.

Sei, porém, que Deus é Pai (e também Mãe, lembrou o papa João Paulo I), mas não é paternalista. Como reza o Gil, deu-me régua e compasso e, o caminho, eu mesmo traço. Isso se chama livre arbítrio.

Aquela senhora, entretanto, dava mostras de ter merecido um canal direto com Deus. E mais: um Deus cabo eleitoral na acirrada disputa das eleições municipais.

“Como a senhora saberá quem é o candidato preferido de Deus?”, indaguei. Ela retrucou candidamente: “O pastor dirá. Ele é a voz de Deus.”

Meu Deus!, reagi intimamente. Confundir a função de padre, bispo ou papa, com a vontade de Deus, é uma das mais aberrantes artimanhas para favorecer o fundamentalismo e suscitar a servidão voluntária. Vide o que os terroristas islâmicos fazem em nome de Maomé!

O mais curioso é que nem ateus escaparam disso. Basta ler O homem que amava os cachorros (Boitempo), de Leonardo Padura. Em nome da Causa, encarnada na vontade inquestionável de Stalin, Ramón Mercader sacrificou a sua vida para assassinar Trotski.

Aliás, quase todos os líderes, sejam eles políticos, religiosos ou empresariais, preferem que seus subordinados abdiquem da consciência crítica. E ainda que tenham opinião diferente, tratem de omiti-la. O peixe morre pela boca…

Daí o fenômeno degradante da humilhação voluntária. Para não perder prestígio, manter a função ou se julgar bem visto aos olhos do chefe, muitos abaixam a cabeça e exibem os fundilhos… E qualquer crítica é tida como desvio ideológico, heresia, conspiração ou traição.

Volto à canção de Gil. Na esfera cristã, a régua é a Bíblia e, o compasso, a prática de Jesus. Ele atuou em defesa dos direitos dos pobres e excluídos. Denunciou os opressores e “despediu os ricos com as mãos vazias”. Partilhou os pães e os peixes, e “saciou de bens os famintos”.

Todos que se consideram seus discípulos, e acreditam que Jesus agia segundo a vontade de Deus, deveriam, portanto, agir como ele, inclusive ao votar. Os critérios evangélicos são óbvios para quem tem olhos para ver e orelhas para ouvir.

O resto é demagogia e tentativa de perpetuar a servidão estrutural daqueles que, fora do mercado, não merecem dignidade nem salvação.

 

 

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto

 

 


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Copyright 2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (m[email protected]).

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Presidente da Fetraf-RJ/ES alerta: abono parece vantajoso, mas não é

Por Nilton Damião Esperança

 

Estamos vivendo um momento político e econômico bastante conturbado em nosso país. Sabendo disso, os banqueiros querem aproveitar esse momento para confundir cabeça dos bancários.

Ofereceram um reajuste de 6,5%, que não repõe a inflação, e um abono de R$ 3 mil. Fizeram uma conta ilusória, dividindo o abono por 13 (12 salários + décimo terceiro) e acrescentaram o valor obtido às 3 faixas salariais. À primeira vista, parece que dá no mesmo e o resultado é vantajoso para os bancários. Mas, se fosse, por que os banqueiros insistiriam neste formato?

É preciso atentar para o fato de que o abono não terá reflexo no FGTS e que ainda haverá o desconto do IR e do INSS, gerando com isso perda mensal de quase 3% – 38,42%, se calculado para todo o período. Também lembramos que os bancos pretendem aplicar o mesmo índice dos salários para corrigir a parte fixa da PLR e, quanto menor for este percentual de reajuste, menor o valor da participação nos lucros.

Os bancos brasileiros continuaram obtendo lucros exorbitantes, mesmo com a crise financeira, e, no entanto, a postura na mesa de negociação foi a mesma dos anos anteriores: insistir em não atender às nossas reivindicações e, mais uma vez, vender como uma boa proposta a ideia do abono e índice de reajuste abaixo da inflação.

Não podemos, neste momento, pensar de forma individualista e imediatista, pois pagaremos muito caro num futuro próximo. Os bancários com mais tempo de casa sabem muito bem disso. Não podemos aceitar abono sem aumento real, garantia no emprego, melhoria nas cláusulas de saúde e segurança, igualdade de oportunidades.

A excessiva lucratividade dos bancos é o reflexo do nosso trabalho. A hora é essa. Compareçam todos às assembleias e vamos construir uma greve forte. Temos que lutar para manter nossos direitos e conquistar avanços.

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Direito não se reduz, se amplia!

Max Bezerra*

 

A greve da categoria bancária entra na segunda semana e, após suspenderem as negociações, os banqueiros intransigentemente insistem na manutenção de uma proposta rebaixada. A ganância dos banqueiros é ilimitada! Se respeitassem os clientes, usuários e seus empregados, já deveria ter sido apresentada uma proposta de, no mínimo, reposição da inflação. Os bancos oferecem 7%, enquanto a categoria reivindica a reposição da inflação de 9,62% mais 5% de aumento real.

Os lucros exorbitantes dos bancos sempre foram uma afronta à população. Os donos dos bancos nunca tiveram e nem praticaram uma política efetiva de responsabilidade social, com ações como, por exemplo, o financiamento no setor produtivo ou de infraestrutura. Não financiam o desenvolvimento nacional. Ao contrário, só exploram e sugam da sociedade.

Esta gente nunca teve compromisso com a sociedade, somente com os lucros para seus acionistas. Por isso, temos a prova e a convicção de quem deseja e provoca a greve são os patrões! Os banqueiros!

Por outro lado, as bancárias e os bancários querem :

  • o fim da demissões;
  • mais contratações;
  • o fim da imposição e a cobrança exageradas de metas inatingíveis, que adoecem trabalhadores e, consequentemente, causam inúmeros afastamentos do trabalho;
  • mais segurança, com proteção efetiva contra assaltos e sequestros;
  • redução imediata das tarifas e dos juros que sufocam, paralisam e inviabilizam o crescimento da economia e a geração de empregos;
  • o fortalecimento dos bancos públicos como agentes indutores das políticas sociais públicas.

A categoria também reivindica o fim do PLC 30/2015 (Projeto de Lei da Câmara). O projeto é uma reforma trabalhista que visa retirar e reduzir direitos contidos na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), através da terceirização em todas as relações de trabalho. Para a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), a regulamentação da terceirização, do jeito que está, pode ser vista como um passo para trás. “Esse projeto poderá resultar no maior retrocesso da história da legislação trabalhista brasileira desde a origem do trabalhismo e dos direitos sociais conquistados na década de 30″*.

Enfim, as bancárias e os bancários querem a preservação e ampliação dos direitos trabalhistas, trabalho decente e remuneração digna para si e para a classe trabalhadora.

A luta e a greve continuam!

 

 

* Max Bezerra é bancário e presidente do Sindicato dos Bancários de Nova Friburgo e Região

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Nos 50 anos do FGTS, bancos privados ameaçam gestão pela Caixa

Maria Rita Serrano*

 

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) completa 50 anos em 13 de setembro. Seus recursos impulsionam, hoje, setores essenciais como habitação popular, saneamento básico, infraestrutura e mobilidade urbana. Com a consolidação do governo golpista, porém, o quadro deve mudar. Bancos privados estão alvoroçados para abocanhar esse dinheiro, retirando o monopólio da gestão da Caixa.

“Concorrência de bancos pelo FGTS interessa ao trabalhador”, escreveu a colunista de O Globo, Miriam Leitão em artigo, em clara campanha da imprensa pela partilha dos recursos pelos bancos privados. O argumento principal de que assim haveria concorrência por melhores taxas de rendimento é uma grande falácia, já que o rendimento do fundo é determinado, por legislação, em 3% mais TR. Favorecer essa mudança seria mais um entre os muitos retrocessos que rondam os brasileiros desde que os golpistas tomaram o poder.

Só para lembrar, desde 1986 o FGTS passou a ser gerido pela Caixa e, cinco anos depois, por determinação legal, as contas a ele vinculadas foram transferidas à Caixa pelos bancos depositários. A transferência favoreceu sobremaneira a gestão e o controle do fundo, o que não ocorria quando os depósitos estavam divididos entre os diversos bancos, pois os recursos eram remunerados de forma aleatória, causando danos ao patrimônio dos trabalhadores – fato registrado, inclusive, em relatório produzido por comissão instaurada pelo TCU no ano de 1989, criada para avaliar e fiscalizar o controle das contas.

Outra ameaça que nesse momento paira sobre o FGTS é o desvio de recursos para o BNDES que, por sua vez, vai financiar projetos do Programa de Parcerias de Investimentos, previsto na MP 727 – na prática, retomando o projeto privatista de FHC. Ou seja: o dinheiro dos trabalhadores será usado para privatizações e concessões em áreas estratégicas por um governo ilegítimo e sem voto. A intenção é clara: desembolsar os cerca de R$ 12 bilhões de saldo do FI do FGTS e coloca-los à disposição do capital privado, que fará obras de infraestrutura sem qualquer questionamento, já que a própria MP deixa claro que as medidas de desestatização serão implementadas por decreto, como “prioridade nacional”, passando por cima de “barreiras democráticas”.

Criado em plena ditadura, o Fundo de Garantia nasceu “optativo”: se aceito, substituía a estabilidade no emprego adquirida após 10 anos de empresa. À época, os trabalhadores denunciaram a ocorrência de demissões caso a opção pelo fundo não ocorresse. Por outro lado, também havia denúncias de que os patrões demitiam quando o empregado estava prestes a adquirir a estabilidade, o que tornaria o fundo alternativa mais viável. Na Constituição cidadã, de 1988, o regime de estabilidade, já em desuso, deixou de existir. E o FGTS foi estabelecido como um direito extensivo ao trabalhador rural.

Para o empregado registrado, o fundo funciona como uma espécie de combinação de poupança e seguro, que pode ser sacado em situações como doenças graves, compra de moradia, aposentadoria. Para o País, os recursos do FGTS são uma mola propulsora do desenvolvimento. Só no primeiro semestre deste ano a arrecadação do FGTS na Caixa atingiu R$ 59,7 bilhões e, os saques, R$ 53,2 bilhões –em junho de 2016, o Fundo era composto por 150,1 milhões de contas.

Do total de R$ 38,1 bilhões de contratações da carteira de crédito habitacional no semestre, R$ 29,9 bilhões vieram de recursos do FGTS.  Para o Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, foram contratados R$ 19,9 bilhões, o equivalente a 180,9 mil novas unidades habitacionais. E dessas novas moradias 15,5% foram destinadas à faixa do programa que contempla brasileiros com renda de até R$ 1,8 mil. No ano passado, da meta global de investimentos de R$ 76,8 bilhões do FGTS prevista para 2016, R$ 56,5 bilhões seriam direcionados para habitação, R$ 12,8 bilhões para infraestrutura urbana e R$ 7,5 bilhões para saneamento básico.

O FGTS, por certo, não nasceu como conquista dos trabalhadores. Hoje, porém, representa muito mais do que isso, tanto individual quanto coletivamente, com benefícios para toda a sociedade brasileira. O governo golpista não vai mudar as regras do jogo para entregar esse patrimônio ao mercado, porque não vamos deixar. Especialmente para os trabalhadores da Caixa, que conhecem bem o papel social do banco e a destinação do FGTS, a época é de grandes desafios. E grandes desafios exigem uma grande união para fortalecer a resistência: vamos juntos defender o Brasil para todos os brasileiros pois, ´Se é Público, é para todos´.

 

 

* Maria Rita Serrano é coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, representante dos empregados da Caixa Federal no Conselho de Administração, diretora do Sindicato dos Bancários do ABC (SP) e da Contraf-CUT. É mestra em Administração.

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De costas para o futuro

Frei Betto *

 

Prevê-se que o recuo do PIB brasileiro, este ano, será de 3,2%. O do PIB per capita, 9,1%. Nos países ricos, a média do PIB per capita é, atualmente, de US$ 20 mil. No Brasil era, em junho de 2011, de US$ 13,2 mil. Em junho deste ano, US$ 8,850. Empobrecemos.

O PIB teve crescimento médio anual de 2,3% com FHC na presidência; 4%, com Lula; e 1% com Dilma.

Menos dinheiro, menos gastos. O consumo familiar caiu 5% no segundo trimestre deste ano, comparado ao do mesmo período de 2015.

A taxa de desemprego, hoje em 11,6% (11,8 mil desempregados), deve atingir, no primeiro trimestre de 2017, o índice de 12,5% a 13%. No segundo trimestre deste ano, a renda dos trabalhadores caiu 4,2%.

É chamada taxa de investimento o que se gasta com máquinas, equipamentos e construção civil. Em 2013,  correspondia a 20,9% do PIB. Hoje, é de 16,8%, a menor desde 2003. Em menos de 10 anos será difícil recuperar o índice de 2013.

No segundo trimestre desde ano, a recessão brasileira superou a da Rússia e a da Grécia. Tivemos o pior desempenho entre 34 países: menos 3,8%, comparado ao mesmo período de 2015. A Rússia recuou menos 0,6% e, a Grécia, menos 0,1%.

O rombo nas contas públicas é grande. Os benefícios previdenciários consomem, hoje, 55% de todos os gastos do governo federal. Alerta o governo Temer que, em 2017, o déficit da Previdência Social será de R$ 181,2 bilhões, o equivalente a 2,7% do PIB. Daí a reforma draconiana que ele propõe.

Ora, o senador Paulo Paim (PT-RS) revelou que dados da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil demonstram que não há déficit, e sim superávit. Em 2010, foi de R$ 53,8 bilhões; 2011, R$ 75,7 bi; 2012, R$ 82,6 bi; 2013, R$ 76,2 bi; e 2014, R$ 54 bi. O dado de 2015 está para sair. Prova disso é que o Congresso derrubou o fator previdenciário.

A segunda maior despesa do governo é com a folha de pagamentos: R$ 169,8 bilhões com o pessoal ativo.

De onde esperar, então, a retomada do crescimento da economia brasileira? Não virá pelo consumo, na medida em que crescem o desemprego e a inflação. Nem das exportações, já que a China reduziu drasticamente as importações do Brasil e a Europa está em crise.

Segundo o projeto Temer, só resta uma saída: atrair capital estrangeiro. Daí o desmonte da nação, a privatização do patrimônio público, a entrega do pré-sal às grandes multinacionais.

No bazar do Brasil à Venda estão na fila a Caixa Seguradora; a Loteria Instantânea; a BR Distribuidora; e o Instituto de Resseguros do Brasil.

Haveria outra saída? Sim, bastaria o governo fortalecer o combate à corrupção, ao contrabando e à sonegação que, juntos, engolem cerca de R$ 800 bilhões por ano. Hoje, somados, os orçamentos dos dois setores mais vitais para a população, a saúde e a educação, custam R$ 204,2 bilhões. Poderiam ser multiplicados por quatro.

Recursos o Brasil tem. Falta é governo comprometido com as prioridades nacionais.

 

 

* Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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Dilma: deposição consumada por oposição derrotada

Frei Betto*

 

Dilma e eu morávamos na mesma Rua Major Lopes, em Belo Horizonte. Todos os dias, a caminho da escola, passava defronte a minha casa. Via minha mãe cuidar do jardim e era amiga de minha irmã Thereza.

Reencontrei-a na capital paulista, no Presídio Tiradentes, em 1970. Ela na ala feminina, conhecida como Torre das Donzelas, e eu, na masculina. Aos domingos era-me facultado atravessar o portão que separava as duas alas para fazer a celebração litúrgica entre as presas políticas. No cárcere, nem os ateus dispensavam as bênçãos divinas.

Nossos caminhos se cruzaram pela terceira vez no Palácio do Planalto, em 2003. Ela, ministra de Minas e Energia; eu, assessor especial para o Fome Zero.

Dilma tem gênio forte e pavio curto. Por isso propus a ela, no início de seu primeiro mandato, aprender meditação. Chegou a me ligar, mas as nossas agendas não coincidiram.

Ela é uma administradora, uma gerentona, sem aptidão para as manhas da política. Quer decidir, não negociar. Quer resolver, não consultar. Tal impetuosidade dificultou seu desempenho político.

Nosso último encontro foi em 26 de novembro de 2014, pouco depois de sua reeleição, ao derrotar a oposição. Por mais de uma hora recebeu, no gabinete presidencial, Leonardo Boff, Márcia Miranda, Maria Helena Arrochellas, Luiz Carlos Susin, Rosileny Schwantes e eu, vinculados à Teologia da Libertação. Entregamos a ela sugestões de profundas reformas estruturais.

No início de 2015, ficou evidente que Dilma não cumpriria os itens de nossa pauta. Pressenti a derrota de seu governo. O que ela se propunha a fazer, como aprendiz de feiticeira, as forças conservadoras dominam por serem a própria feiticeira.

Associado ao que há de mais fisiológico na política brasileira, Michel Temer se prestou ao golpe parlamentar. E abriu um perigoso precedente: desde agora, no Brasil, oposição não apenas rima com deposição. É uma artimanha da usurpação política que, de costas para o povo, se apropria da máquina do Estado.

 

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Editora Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto

 


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Proposta sem aumento real é proposta indecente

Marcos Alvarenga*

No dia 09/08, data de entrega da minuta de reivindicações, os representantes dos bancários salientaram que um dos eixos principais de nossa campanha é o AUMENTO REAL, ou seja, índice de reajuste salarial ACIMA DA INFLAÇÃO! Mas os bancos insistem em desvalorizar e não reconhecer o empenho e dedicação dos bancários. Assim como no ano passado, a FENABAN apresentou, no último dia 29/08, uma proposta de índice salarial ABAIXO da inflação, significando perdas irreversíveis aos trabalhadores.

Além disso, os bancos prometiam uma “proposta global” que iria abranger todas as reivindicações de nossa minuta. Mas, infelizmente, os bancos apresentaram uma contra proposta abrangendo apenas o índice de reajuste e a PLR, ignorando questões, importantes e essenciais, como contratações, fim do assédio moral, igualdade de oportunidades, saúde, segurança e condições de trabalho.

Os bancos apresentaram uma proposta de índice indecente (6,5%), com perda salarial de, aproximadamente, 3%! Para tentar esconder o prejuízo dos bancários, os bancos voltaram com a estratégia do famigerado abono. Mesma estratégia utilizada na década de 90 (época do Governo FHC/PSDB), quando os bancários ficaram 8 anos sem aumento real, chegando a ter perdas acumuladas em torno de 100%.

Essa estratégia da FENABAN também foi colocada em prática na campanha do ano passado. Na época, os bancários e bancárias, de todas as regiões do país, recusaram essa proposta indecorosa, iniciando uma greve que nos garantiu a reposição da inflação e o aumento real. Além de um índice diferenciado para os vales refeição e alimentação (conquistamos o índice de 10% nos salários, PLR e piso e 14% nos vales). “A FENABAN, sabedora da nossa posição diante de uma proposta rebaixada, brinca de forma desrespeitosa e irresponsável ao apresentar uma proposta semelhante a do ano passado, que foi massivamente recusada nas assembleias Brasil afora. Enquanto a FENABAN adotar essa postura, vamos lutar para garantir nossos direitos”, disse o Presidente do SindBancários Petrópolis, Marcos Alvarenga.

O abono sempre será prejudicial ao trabalhador. É melhor transformá-lo num percentual de aumento salarial do que recebê-lo. Sobre o abono ainda incide o Imposto de Renda, mas o pior é que ele não agrega, em nada, poder de compra e valorização salarial a curto, médio e, especialmente, longo prazo.

Tomando como exemplo essa proposta da FENABAN, o abono (sem o desconto do IR), diluído em 12 vezes (1 ano), representaria R$ 250,00 por mês (sendo que esse valor não seria agregado ao salário do bancário e nem incidiria no 13°, férias, INSS, FGTS, PLR e etc.). Além, claro, de serem consumidos em 1 ano (caso alguém usasse a lógica de dividi-lo para somá-lo ao salário mensal).

Nesse caso, seria melhor repôr a inflação integralmente (projetada em 9,57%), porque esses 3% a mais, em relação ao índice proposto pela FENABAN de 6,5%, representariam R$ 120,00 de acréscimo no salário de quem recebe R$ 4.000,00 ou R$ 180,00 para quem recebe R$ 6.000,00. A grande diferença é que esses valores seriam agregados, de fato, aos salários, incidindo em todas às verbas e direitos e acumulando com reajustes salariais futuros.

Como podemos ver, o abono é prejudicial, ainda mais quando a proposta de reajuste fica abaixo da inflação, trazendo perdas salariais que nunca mais serão repostas.

A indicativa e orientação do Comando Nacional dos Bancários e do SindBancários Petrópolis é de REJEIÇÃO da proposta da FENABAN.

 

 

* Marcos Alvarenga é bancário do Banco do Brasil e presidente do Sindicato dos Bancários de Petrópolis

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Charutos, toque de classe

Frei Betto *

 

As campanhas antitabagistas fazem com que os mais endinheirados migrem do cigarro para o charuto que, por não conter substâncias químicas, tem fama de causar menos danos à saúde. Até a cola que recobre a folha de tabaco, que lhe serve de capa, é de origem vegetal.

Freud morreu de câncer na garganta. Dizem que de tanto fumar charutos, doze por dia em média. E cometia o grave erro de tragá-los. Charuto não é para ser aspirado, e sim degustado.

Churchill queimava ao menos quinze por dia. Uma antologia do charuto cubano calcula que ele fumou 300 mil ao longo de seus 90 anos. Há inclusive um tipo de charuto que, devido à extensão, merece o seu nome.

John Kennedy também não dispensava o Petit Upmann. Horas antes de assinar o bloqueio à Cuba – decretado ao meio-dia de 7 de fevereiro de 1962 – encarregou seu secretário particular de comprar todos os Petit Upmann encontrados nas tabacarias de Washington. Conseguiu armazenar 1.200 unidades.

Nunca se esclareceu qual a marca do charuto que Bill Clinton envolveu no famoso episódio com Monica Lewinsky… Há quem duvide que o presidente tenha resistido à tentação de recorrer a um puro habano.

Devido ao bloqueio imposto à ilha pelos EUA, os charutos cubanos estão impedidos de entrar no mercado estadunidense, onde são consumidas, por ano, 316 milhões de unidades feitas à mão, importadas da República Dominicana, da Nicarágua e de Honduras. O número de unidades mecanizadas consumidas nos EUA é assombroso: 9 bilhões/ano.

Los habanos, embora proibidos, chegam aos requintados fumantes de Wall Street e Hollywood através de uma intricada rede de contrabando.

Na década de 1980, Fidel enviou de presente a Dom Paulo Evaristo Arns, então cardeal de São Paulo, uma caixa com 500 charutos. O prelado distribuiu-os em uma reunião do clero paulistano.

Cuba produz o melhor charuto do mundo, devido à combinação de solo (qualidade da terra) e clima (umidade). Fabrica, atualmente, 285 milhões de unidades/ano, totalmente à mão, dos quais 95 milhões destinados à exportação. São fabricadas com máquinas 130 milhões de unidades, a maioria destinada à exportação. O mercado interno consome cerca de 180 milhões de unidades. A exportação cresce 10% ao ano, e assegura ao país, anualmente, US$ 240 milhões.

Entre as 27 marcas cubanas, a mais vendida é a Montecristo: 18 milhões de unidades/ano. Em segundo lugar, a Cohiba, considerada a melhor. Vende 12 milhões de unidade/ano. Até 1966 era destinada exclusivamente ao consumo de Fidel, quando então chegou ao mercado. O líder revolucionário deixou de fumar em 1985.

No último festival do charuto, promovido em Havana toda última semana de fevereiro, um único Cohiba Grandioso foi arrematado por 6.400 euros! E a caixa, com 50 unidades, por 320 mil euros.

Colombo descreve em seu diário que, certa noite, avistou no litoral de Cuba uma fila de índios. Todos traziam, na boca, um rolo de folhas, que exalava fumo de um lado e acendia luz do outro…

Os índios acreditavam que a saborosa fumaça das folhas de tabaco tinha poderes terapêuticos. A nicotina, o alcaloide presente na folha, passou a ser difundida em 1560, quando o embaixador francês em Portugal, Jean Nicot (daí o vocábulo nicotina), enviou as primeiras sementes de tabaco à rainha Catarina de Médicis, no intuito de, graças ao rapé, lhe aliviar as enxaquecas.

No Brasil são consumidos, ou melhor, queimados, anualmente, 1,5 milhão de charutos cubanos, metade com selos nobres e qualidade duvidosa, trazida por contrabandistas.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org      twitter: @freibetto

 

 


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Lei Maria da Penha: década de avanços e desafios

Laisy Moriere *

 

Neste dia 07 de agosto, completa-se dez anos de aprovação da Lei 11340/2006, sancionada pelo, então, presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

É, provavelmente, dentre todas, a mais popular entre as leis em vigor no Brasil. Pesquisas indicam que apenas 2% da população disseram nunca terem ouvido falar da Lei conhecida como Maria da Penha – criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Considerada pela Organização das Nações Unidas como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher, a Lei chega ao seu décimo aniversário com um saldo positivo. Contudo, longe ter alcançado toda a sua efetividade, tem sido alvo de projetos que visam alterá-la, pondo em risco os avanços registrados, conforme avaliação de organizações de mulheres.

A despeito da ausência de um cadastro nacional sobre a aplicação e as consequentes condenações  baseadas na Lei e de uma normatização que oriente o registro dos casos nos estados,  sabe-se que , com base nos  dados disponíveis,  o número de processos abertos e de condenações tem crescido anualmente.

O que significa que, mesmo com as dificuldades ainda enfrentadas para registrar ocorrências, as mulheres têm depositado sua confiança na eficácia deste instrumento para romper com o medo e o silêncio.

Qualquer mudança brusca na legislação vigente, como a proposta em tramitação no Congresso, que, entre outras coisas, autoriza que o(a) delegado(a) conceda medidas de proteções às vítimas, pode acarretar num retrocesso  na luta diária contra a violência doméstica e familiar  que acomete inúmeras mulheres cotidianamente.

Mesmo com os rigores da Lei Maria da Penha, o Brasil ocupa a vergonhosa quinta posição em número de homicídio de mulheres, perdendo apenas  para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, segundo informações da Organização das Nações Unidas.

Ao completar dez anos de existência, faz-se necessário uma discussão profunda sobre os avanços registrados e os desafios a serem superados.

É imprescindível, num momento de tantos retrocessos políticos, em que a mulher é outra vez a mais atingida, estabelecer o debate, unir forças e pressionar as autoridades responsáveis, cada uma em sua esfera de atuação e responsabilidade, para assegurar que a Lei seja aplicada em sua completude e que qualquer mudança seja no sentido de aprimorar a sua eficiência e eficácia.

Destinação de recursos para equipar e ampliar o número de delegacias especializadas, capacitação de pessoal para o acolhimento à mulher violentada, atendimento humanizado e um forte investimento em educação e cultura com vistas a promover o respeito e a dignidade da pessoa humana e, particularmente, da mulher são, dentre outras, medidas essenciais e urgentes para, no futuro, mecanismos como  a Lei Maria da Penha serem menos necessários.

 

* Laisy Moriere é Secretária Nacional de Mulheres do PT