Brechas nas normas ajudam a afastar clientes e usuários das agências bancárias

A recusa em receber contas de concessionárias de serviços públicos e boletos de pagamento por bancos país afora vem revoltando clientes e usuários do sistema financeiro. Os funcionários são instruídos a não realizar as operações, orientando clientes a fazerem o pagamento nos caixas automáticos e não correntistas a procurarem os correspondentes bancários. Esta prática, que tem o objetivo de esvaziar as agências, está gerando muita insatisfação entre a população e não são raros os conflitos entre bancários e público.

As regras do atendimento bancário não são regidas por leis, como prevê a Constituição no seu artigo 192. Depois de mais de 27 anos, continua a cargo do Banco Central, através de resoluções e normativos, determinar como deve ser o funcionamento do sistema financeiro.

A resolução 3.694, de março de 2009, traz as regras que estão em vigor atualmente. O artigo 3º determina que os bancos não podem negar atendimento nos guichês, mesmo que haja canais alternativos. Este texto é semelhante ao artigo 15 da resolução anterior, 2878/2001, que foi revogada. Mas uma alteração no texto do inciso 1º mudou tudo. Na regra antiga, eram excluídos desta obrigação apenas os estabelecimentos que tivessem somente caixas eletrônicos. Na nova, os bancos também ficaram desobrigados de receber documentos de empresas com as quais não mantém convênios.

O imbróglio fica por conta da possibilidade de realização de operações através de caixas eletrônicos ou do cadastramento para débito automático. Mesmo que a operação de debitar o valor da fatura diretamente da conta do cliente não tivesse nada a ver com o pagamento normal, não haveria explicação para que os sistemas dos guichês de caixa e das máquinas de autoatendimento fossem diferentes. Na prática, a única restrição que existe é a ordem superior para que os bancários não realizem estas operações na boca do caixa.

Banco para quem?

Estas restrições causam transtornos para clientes e usuários em vários níveis. Um dos mais visíveis é a dificuldade que alguns correntistas encontram para operar as máquinas de autoatendimento. Para estas pessoas, a operação realizada pelo funcionário e a autenticação no próprio documento significam a certeza de que tudo foi feito corretamente. No caso do não correntista, a questão é ainda mais complexa, já que são empurrados para canais de atendimento que sequer ficam na mesma dependência. As lotéricas e estabelecimentos comerciais que atuam como correspondentes bancários não oferecem as mesmas condições de atendimento que uma agência bancária. Muitas vezes, as filas ficam na rua, sob sol ou chuva, não há garantia de sigilo e os riscos de assaltos são constantes, já que alguns destes estabelecimentos não têm qualquer aparato de segurança.

Se já é incompreensível que os bancos não queiram prestar atendimento aos não correntistas, já que o serviço é pago, rejeitar os próprios clientes é um tiro no pé. “Os bancos disputam as contas das prefeituras e governos, oferecendo centenas de milhões de Reais, mas prestam um serviço péssimo, quando prestam, aos novos correntistas”, lembra Paulo de Tarso Ferreira, diretor da Fetraf-RJ/ES. “Os servidores são clientes que o banco pagou para atender. Mas, na hora deste cliente usar os serviços do banco, é empurrado para um correspondente bancário. Isso não tem o menor sentido”, critica o sindicalista.

Consumidor

Os bancos resistiram enquanto puderam, mas acabaram obrigados a aceitar que a prestação de seus serviços estabelece uma relação de consumo com o cliente e o usuário. Mas em junho de 2006 o Superior Tribunal Federal determinou que as instituições financeiras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor. Os empresários do setor também brigaram muito contra as leis municipais e estaduais que determinavam regras para o atendimento, como tempo de permanência em filas, obrigatoriedade do atendimento preferencial, disponibilização de assentos, entre outras. Argumentavam que a legislação deveria ser federal, já que as empresas atuam em todo o país. Mas, na ausência de leis específicas sobre o assunto em âmbito nacional, as legislações regionais se sobrepõem às normas e resoluções do BC.

Mesmo assim, os problemas persistem. Não só os bancos se recusam a obedecer certas leis, como acabam pressionando pela mudança das regras em vigor. A alteração no § 1º do artigo 3º da resolução 3.694/2009 atende claramente as interesses das empresas e não é impossível que tenha havido pressão do setor para incluir as exceções.

O problema é que o público sai prejudicado, pela diminuição das opções para pagamento de suas obrigações. “Se um banco quiser fazer convênio com prestadoras de serviços de TV por assinatura e acesso à Internet, por exemplo, que faça. E se não quiser, também não é obrigado. Mas telefonia, energia, água e gás são essenciais à população. Os bancos, que são concessões públicas, têm obrigação de prestar o serviço de recebimento de contas”, destaca Paulo de Tarso. “Criar uma forma de rejeitar os pagamentos das contas de concessionárias para afastar os clientes e usuários das agências é um abuso da liberdade de firmar convênios”, completa.

Bancos responsáveis

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec e a ONG internacional Oxfam-Novib realizam no próximo dia 11 um evento para lançar o Guia dos Bancos Responsáveis 2015, versão brasileira do Observatório Global de Responsabilidade Social do Setor Financeiro. A programação inclui palestras e painéis com especialistas brasileiros e estrangeiros que vão discutir como os bancos brasileiros se comportam em relação à Responsabilidade Social Empresarial em 13 tópicos. O evento acontece no Hotel Blue Tree Premium Paulista, a partir das 14h. Mais informações, aqui.

Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES