Já se passaram 23 anos desde que os empregados do BB no município do Rio de Janeiro entraram na justiça pleiteando a incorporação do Adicional de Caráter Pessoal à equiparação salarial com os empregados do BACEN conquistada em 1986. Na época, sindicatos de todo o Brasil acionaram o banco e as decisões proferidas pela Justiça Trabalhista foram das mais variadas. O processo ajuizado pelo Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, que, em 1993, deu ganho de causa aos funcionários. Em 1995 o TST proferiu uma súmula para uniformizar as sentenças dali por diante, negando a pretensão dos sindicatos à incorporação do ACP para os efeitos da equiparação. Mas, como o processo do Rio de Janeiro já estava transitado em julgado, com reconhecimento de mérito favorável aos empregados, parecia que a causa estava ganha, mas o banco nunca pagou as diferenças devidas.
Em 1998, o BB ajuizou ações rescisórias contra todos os processos que perdeu. No caso do processo do Rio de Janeiro, o prazo de ajuizamento de ação rescisória seria esgotado em 1995 e o TRT não acatou a ação, mas o banco recorreu ao TST, que interpretou de outra forma a questão dos prazos e reconheceu o pleito do banco. O processo foi, então, remetido ao TRT para apreciação de outros tópicos e o julgamento foi favorável ao BB, por apenas um voto de diferença.
O Seeb Rio, então, remeteu novamente a ação rescisória ao TST para contestar a decisão do Tribunal Regional, alegando que o processo ajuizado pelo BB tinha outras falhas. Um dos problemas era a falta da cópia integral da decisão anterior do próprio TST. Esta tecnicalidade é a esperança dos funcionários representados pelo sindicato no processo. A base da discussão é que os ministros do TST precisam dispor de toda a informação existente sobre a questão para que possam proferir uma decisão embasada.
No último dia 1º aconteceu em Brasília uma audiência deste processo, na SDI-II – Subseção II da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST. O relator, ministro Emanuel Pereira, deu parecer contrário à pretensão do sindicato, orientando seus colegas a acatarem a ação rescisória do BB. O ministro Carlos Alberto Reis de Paula, que está prestes a deixar a SDI-II, antecipou seu voto, acompanhando o relator. Mas o ministro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho pediu vistas do processo, solicitando também as gravações em áudio e vídeo do julgamento anterior. Com o pedido, as manifestações dos demais ministros ficam suspensas. Não foi marcada uma nova data para o julgamento. A audiência do dia 1º foi acompanhada por Sérgio Farias, representante titular da Federação na CEE/BB, e por Rita Motta, diretora do Seeb Rio.
Além da questão jurídica
A batalha judicial de 23 anos tem uma justificativa econômica. Embora não haja cálculos atualizados, o banco alega que somente a ação do Rio de Janeiro implicaria numa despesa da ordem de R$ 19 bilhões. Os sindicalistas não chegaram a fazer uma projeção do valor, este montante foi citado na tribuna pelo advogado contratado pelo BB, Almir Pazzianotto, ex-ministro e ex-presidente do TST. Pazzianotto se autointitulou “advogado do povo”, já que representava os interesses de toda a sociedade brasileira contra uma ação que poderia levar o BB à falência.
O comportamento do banco, nestes 23 anos, tem sido o de partir para a contestação na Justiça. Em razão desta demora, o valor da ação é alto, já que, sobre o original incidem juros de 1% ao mês. Na época do ajuizamento da ação este era um índice baixo, mas hoje é alto. E ainda incide correção monetária pela TR. “Somente em 1997 o banco fez uma proposta de negociação, oferecendo-se a pagar a diferença de equiparação referente ao ano de 1989. Os valores variavam de acordo com o salário do funcionário, mas a maior parte do pessoal receberia entre R$ 100 mil e R$ 200 mil”, relata Cleyde Reis Magno, diretora de Assuntos Jurídicos do Seeb Rio. Fora esta proposta, o banco sempre insistiu na tese de que o pagamento era indevido e vem fazendo tudo para evitar pagar as diferenças.
A última tentativa do banco, depois de perder o mérito, foi lançar mão da ação rescisória, um instrumento legal que permite rever a decisão de um processo transitado em julgado, ou seja, que já tenha sido levado até a última instância. Este tipo de ação deve ser usado quando um princípio constitucional ou legislação específica é contrariado por uma decisão do Tribunal Superior. “Se a ação rescisória for banalizada, passa a funcionar como recurso. Este instrumento é – ou, pelo menos, deveria ser – uma exceção, somente raros casos aceitam este tipo de ação”, informa José Eymard Loguercio, advogado que representa o Seeb Rio junto ao TST.
Um Tribunal em transformação
A estratégia do BB inclui a contratação de um ex-ministro que ocupou a presidência do TST num período em que muitas decisões estavam alinhadas com a política vigente. “Naquela época, o apelo econômico das causas se sobrepunha aos aspectos trabalhistas”, destaca Sayonara Grillo, assessora jurídica da Federação, que, em sua tese de doutorado, esmiuçou a configuração e as decisões do Tribunal na época. O estudo – depois transformado no livro “Relações Coletivas de Trabalho – Configurações institucionais no Brasil contemporâneo” (Ed. LTR, 1ª edição, abril/2008) – demonstra como o órgão, com aquela configuração, era um dos mais susceptíveis a argumentos não jurídicos, considerando, nas decisões, questões subjetivas como valores pessoais, econômicos, impactos sociológicos, etc.
Mas o TST vem passando por mudanças profundas nos últimos anos. A composição do Tribunal mudou muito, já que houve até alteração do número de ministros. Em 1999, a Emenda Constitucional 24 reduziu o número de ministros de 27 para 17, com a extinção da representação classista, que ocupava dez assentos. Em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, o TST voltou a ter 27 ministros, todos nomeados segundo os mesmos critérios. Ao longo de todo este tempo, também houve aposentadorias e alguns ministros que ainda eram da época da ditadura militar foram substituídos. “Nos últimos sete anos, houve uma mudança forte na composição do Tribunal e se vê claramente as disputas político/teóricas. Alguns dos ministros se formaram no contexto da Constituição de 1988, que consolidou o regime democrático. É um Tribunal mais aberto e mais sensível ao povo, à sociedade, embora ainda seja conservador”, analisa Sayonara.
Para a advogada, o pedido de vistas do ministro Vieira de Mello Filho demonstra esta mudança na reconfiguração institucional. “O discurso proferido pelo ex-ministro Pazzianotto durante o último julgamento é o mesmo dos anos 90. Se esta ação rescisória tivesse sido ajuizada naquela época, período de hegemonia neoliberal, muito provavelmente já teria sido julgada, com ganho de causa para o banco, pela tendência que havia de desconsiderar aspectos jurídicos quando o valor da causa era alto. Hoje, os ministros estão até revendo jurisprudências antigas em alguns casos e estão mais sensíveis às questões processuais”, analisa Sayonara.
O advogado José Eymard Loguercio, que além de vir acompanhando este processo, também tem larga experiência em julgamentos do TST, destaca que esta mudança pode ser favorável aos bancários. “Nos anos 90 o Tribunal aceitou muitas ações rescisórias, principalmente em situações em que havia questões econômicas envolvidas. Nós temos chance de ganhar esse processo se o Tribunal examiná-lo com o mesmo rigor que examina casos similares. Recentemente o TST extinguiu uma rescisória do Banco Itaú exatamente por ter faltado a mesma peça que está faltando no processo instaurado pelo BB. A diferença é que naquele caso faltou o acórdão inteiro e, aqui, falta uma folha. Mas também há inúmeras outras decisões do TST dizendo que a cópia incompleta se equipara à ausência da cópia”, pondera Eymard.
O X do problema
O Sindicato dos Bancários de Campos recentemente conquistou um acordo no processo de equiparação para os bancários de sua base. O acerto foi feito no TRT-RJ durante a última Semana Nacional de Conciliação e envolveu pagamento da equiparação a 548 bancários ou seus herdeiros – já que cerca de 80 empregados faleceram ao longo destes 23 anos – num montante que chegou a R$ 62,5 milhões em valores brutos. No caso do Rio de Janeiro, em que o número de interessados passa de dez mil, os valores são muito mais altos e não é possível ignorar que este é um dos principais entraves. “Nos processos contra órgãos públicos, os ministros têm mais cautela. Mas isso não significa que desconsideram o direito”, pondera Sayonara.
Entre os funcionários, a demora de 23 anos provoca uma imensa angústia. “Há colegas que chegaram a ter o aumento reconhecido em suas carteiras de trabalho sem, no entanto, terem recebido nenhum centavo. Passamos pela fase de cálculo pelos peritos, criando a expectativa de recebimento por milhares de colegas”, relata Rita Motta, diretora do Seeb Rio. Para o movimento sindical a questão principal, hoje, é a falta de flexibilidade do banco. “Se o caso chegou ao TST, que afirma que está fazendo um julgamento totalmente técnico, e não político, e o Banco do Brasil alega que não tem como pagar, porque não se abre um canal de negociação? É um absurdo o Conselho Diretor do banco, num governo democrático, adotar esta postura autoritária e se recusar a negociar, apostando todas as fichas no Tribunal”, pondera Sérgio Farias, diretor da Federação e membro titular da CEE/BB.
Fonte: Da Redação – FEEB RJ/ES