Aluísio Palhano, bancário e sindicalista, morto pela ditadura militar

Aquilo que já se sabia foi confirmado nesta segunda-feira: Aluísio Palhano Pedreira Ferreira foi torturado e morto pela ditadura militar instaurada em 1964 e seu corpo foi enterrado clandestinamente em São Paulo, no cemitério de Perus. A identificação de seus restos mortais foi concluída em 27 de novembro e divulgada no último dia 03 de dezembro, durante o I Encontro Nacional de Familiares, que está sendo realizado Brasília, promovido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Palhano foi um dos muitos desaparecidos políticos da ditadura, dado como morto em 1976, e muito se especulou sobre o destino de seus restos mortais. Uma das hipóteses foi levantada a partir do depoimento de Cláudio Guerra, ex- delegado da Polícia Civil no Espírito Santo e ex-agente do SNI, à Comissao Nacional da Verdade, em 2014. Segundo o ex-agente, corpos de vários militantes mortos sob tortura, inclusive o de Palhano, haviam sido incinerados nos fornos de usinas de açúcar em Campos, norte fluminense. Outra possibilidade, levantada a partir de depoimentos de funcionários do cemitério municipal de Petrópolis em 2015, era de que seus restos mortais haviam sido sepultados na região serrana sob nome falso.

A saga dos corpos de Perus

A ossada de Palhano foi a quinta das 1.049 encontradas numa vala clandestina no cemitério de Perus, na zona norte de São Paulo. O local, criado para a enterrar corpos sem identificação, foi usado para ocultar os cadáveres de militantes políticos mortos sob tortura e também de vítimas do esquadrão da morte. As desconfianças começaram a surgir quando parentes de desaparecidos consultavam alguns registros do cemitério. Mas foi a suspeita sobre vala de Perus cresceu a partir de investigações feitas pelo jornalista Caco Barcelos para seu livro Rota 66, sobre ações de extermínio realizadas pela ROTA, unidade da PM de São Paulo. Barcelos percebeu que os laudos de necropsia dos corpos enterrados clandestinamente eram falsificados e alguns registros tinham, ao lado do nome, a letra T, de “terrorista”. Os relatórios marcados com T tinham sempre o mesmo histórico de morte: tiroteios após desobediência a ordem de prisão.

A ocultação dos cadáveres dos mortos em tortura passava por ações burocráticas com a colaboração de legistas, militares, policiais e agentes do SNI. Os únicos que nunca tinham informações precisas sobre os corpos eram os funcionários dos cemitérios. Pessoas que participaram do esquema permaneceram em suas funções até alguns anos atrás, mantendo as barreiras para a identificação. Até mesmo o torturador de Palhano, o delegado da Polícia Civil Dirceu Gravina, continua na ativa, atuando no interior do estado de São Paulo.

A vala foi aberta em setembro de 1990 por ordem de Luiza Erundina, então prefeita de São Paulo, após pressão dos parentes de desaparecidos. Palhano foi o quinto militante identificado desde o início das investigações. As ossadas passaram pela Unicamp e pela USP até que, em 2014, foi montado o Grupo de Trabalho de Perus (GTP), que agilizou o processo de identificação. Amostras de sangue de parentes de desaparecidos ainda estão sendo comparadas com fragmentos das ossadas. Os laboratórios que estão fazendo as análises ficam na Bósnia e na Holanda, e fazem parte da estrutura da Comissão Internacional para Pessoas Desaparecidas (ICMP, na sigla em Inglês). Estes dois laboratórios são especializados em análises de DNA de materiais ósseos degradados e de vítimas desaparecidas em contextos de violações dos direitos humanos.

Tortura e morte

As informações sobre a morte de Palhano não são precisas, mas o cruzamento de dados obtidos junto a várias fontes permitiu traçar uma linha do tempo do que aconteceu. Os principais relatos são de Lenira Machado, Inês Etienne Romeu e Altino Rodrigues Dantas Jr., também presos e torturados naquele período em locais por onde Palhano passou. A reconstituição dos fatos dá conta que Palhano foi sequestrado em São Paulo em 09 de maio, e conduzido ao DOI-CODI, onde foi torturado. O centro de tortura, localizado na Rua Tutóia, em Vila Mariana, na capital paulista, era chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra. De lá, foi conduzido à Casa da Morte, em Petrópolis, onde foi avistado por Inês Etienne. Mas Palhano foi removido de do local por ter sido reconhecido por um concunhado, Fernando Ayres da Motta, ex-interventor de Petrópolis e responsável pelo contato com o proprietário do imóvel, que o alugou ao Centro de Informações do Exército – CEI. De Petrópolis, o bancário foi levado para o Cenimar – Centro de Informações da Marinha, no Rio de Janeiro, e de lá enviado de volta para o DOI-CODI. Segundo Altino Dantas, o ex-sindicalista foi morto na madrugada de 20 para 21 de maio, sob tortura. Num documento encontrado na Agência de São Paulo do SNI, aparecem nomes de militantes e, ao lado, informações de local e data, supostamente referentes à morte dos presos. Um destes registros mostra o nome de Palhano ao lado da inscrição 20 Mai 71 – SP.

Acusação de sequestro

Como os processos por tortura e assassinato praticados por agentes do Estado não eram aceitos pela Justiça em função da Lei de Anistia, de 1979, outros caminhos foram usados para tentar responsabilizar os responsáveis. Em 2012 o Ministério Público Federal de São Paulo abriu uma ação penal para apurar e punir os responsáveis pelo sequestro de Aluísio Palhano – Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-CODI, e Dirceu Gravina, delegado da Polícia Civil e principal torturador que atuava no local. A estratégia era argumentar que o sequestro é um crime que não prescreve enquanto a vítima não é libertada ou seu corpo é encontrado, além de não estar previsto na lei que perdoou os crimes da ditadura.. Mas também esta tentativa foi negada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região e, mais tarde, a 5ª Turma do STJ eximiu os juízes do TRF3 de explicarem o motivo da recusa.

Palhano, o homem

Aluísio Palhano nasceu em Pirajuí (SP), em 1922, e mudou-se para Niterói ainda na infância. Estudou Direito na UFF e prestou concurso para o Banco do Brasil. casou-se com Leda Pimenta Pedreira Ferreira e teve dois filhos: Márcia e Honésio. Foi presidente do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro e da Confederação dos Trabalhadores dos Estabelecimentos de Crédito – Contec. Ocupou também a vice-presidência da CGT, Central Geral dos Trabalhadores.
Com o golpe de abril de 64, foi exonerado de seu cargo no banco e acabou deixando o país. Pediu asilo político na embaixada do México e permaneceu no país até o final do ano. De lá, foi para Cuba, onde ficou até 1970, quando retornou clandestinamente ao Brasil, como militante da VPR – Vanguarda Popular Revolucionária. Em Cuba, conheceu José Anselmo dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo, um dos maiores alcaguetes da época, responsável por entregar dezenas de militantes aos aparelhos de repressão. Algumas informações dão conta de que teria sido o Cabo Anselmo o responsável pelas informações que resultaram no sequestro de Palhano. O último contato de Palhano com a família foi em 24 de abril de 1971. Dias depois, foi sequestrado pelas forças da repressão.

As certidões de óbito das vítimas da ditadura foram a partir da publicação da lei 9.140, de 1995, que se baseia no princípio da morte presumida, aplicado ao caso específico dos militantes torturados. Mas as causas de morte eram dadas como “indefinida” na maior parte dos casos. Com o esclarecimento das circunstâncias da morte e as identificações dos corpos, as certidões estão sendo retificadas.

A filha de Palhano, Márcia Pereira Ferreira Guimarães, ainda não decidiu se vai organizar um funeral para o pai. Mas disse em entrevista ao G1, que cogita cremar os restos mortais do pai e espalhar as cinzas na Baía de Guanabara. Foi a partir de uma amostra de seu sangue que se tornou possível comparar o DNA da ossada encontrada em Perus e fazer a identificação. “Agora acabou, fechou um ciclo,” declarou.