A comunicação a serviço da educação

Desenvolvido em comunidades carentes de Niterói, o Projeto “Olho Vivo na Escola” mostra a força dos meios de comunicação no processo educacional. Ao dar voz aos jovens, os projetos pretendem inverter a lógica do processo de comunicação e fomentar o debate crítico, a pesquisa e o diálogo entre integrantes de diferentes comunidades ou grupos atendidos

Colocar a Comunicação a serviço da Educação. Dar vez e voz para adolescentes de comunidades carentes expressarem suas opiniões, fazer reivindicações e escreverem sua própria história. Disseminar informações de populações que dificilmente são agentes no processo de comunicação, promovendo a emissão das mensagens. Estes são objetivos do projeto “Olho Vivo”, desenvolvido desde 2003 em comunidades carentes de Niterói pela Bem TV – entidade civil sem fins lucrativos.

Lado a lado, caminha o projeto “Olho Vivo na Escola”, que mostrou em vídeo e em jornal o dia-a-dia de cinco escolas de públicas de Niterói (Escola Estadual Fernando Magalhães, Escola Estadual Duque de Caxias, Ciep Maria Defina de Freitas Gomes, Escola Estadual Maria Pereira das Neves e Escola Estadual Cizínio Soares Pinto). Produzido por adolescentes, o material ficou em exposição em novembro no Centro Cultural Pascoal Carlos Magno, em Niterói, e será trabalhado com alunos dessas mesmas escolas ao longo de 2006.

Para Márcia Correa e Castro, coordenadora executiva do Bem Tv, a comunicação é uma metodologia interessante para educação. “A idéia da Bem Tv é colocar a comunicação a serviço dos processos pedagógicos. Trabalhamos para que a comunicação seja incorporada, de preferência, pelo poder público, nos processos pedagógicos. A comunicação tem um componente estruturante. É preciso estruturar uma mensagem para emiti- la. É preciso parar, pensar e construir um discurso”, esclarece.

Ao dar voz aos jovens, os projetos pretendem inverter a lógica do processo de comunicação e fomentar o debate crítico, a pesquisa e o diálogo entre integrantes de diferentes comunidades ou grupos atendidos. “Acreditamos que quando se dá oportunidade das pessoas falarem ao invés de só escutarem, também trabalhamos dentro de uma perspectiva pedagógica. Dentro da ótica da educação, quando se coloca as pessoas para falarem, há uma possibilidade maior de aproveitar o conhecimento daquele público. É essa coisa que se fala tanto da proposta dialógica de Paulo Freire, de aproveitar o conhecimento do próprio educando. Ele aparece com mais facilidade quando você diz”: agora você vai fazer um jornal! Você vai dizer o que pensa com esse vídeo…”, explica.

A Bem Tv surgiu em 1990 como projeto e foi institucionalizada em 1992. A opção pela linha da educação aconteceu em 1996, a partir da análise das experiências desenvolvidas até então. “Chegávamos nas comunidades para trabalhar e a maior parte das pessoas que apareciam para trabalhar conosco eram jovens. Os projetos sociais oferecem várias oportunidades individuais. Mas entendemos que uma transformação da sociedade virá somente através de políticas públicas e, no caso de juventude, essa política pública deve estar principalmente na escola”, frisa.

O convívio com os jovens também mostrou a importância do trabalho em parceira com as escolas. “Havia uma coisa engraçada: as pessoas começavam a trabalhar com a gente nos projetos e tivemos muitos casos do aproveitamento na escola diminuir. As crianças diziam: ‘ah, a escola é um saco!’ depois que descobriam outro jeito de aprender. Daí, pensamos: se desenvolvemos alguma coisa, colocamos isso a serviço da escola”, acrescentou.

Co-fundador do Bem Tv, Adilson Cabral, professor do Instituto de Artes e Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Centro de Pesquisa de Projetos de Emergência em Comunicação, explica a importância de comunidades carentes se apropriarem das novas tecnologias nos processos de comunicação.

“Emergência na Comunicação é um processo no qual se trabalha as articulações emergindo de baixo para cima e não cima para baixo. Então, ela é socialmente construída e apropriada pelas comunidades a partir dos processos comunicacionais. A Bem Tv veio sofrendo uma série de transformações e esse estágio de interação das comunidades para apropriação social e coletiva das tecnologias da informação e comunicação está exatamente na linha de emergência “, pontua.

Segundo o professor da UFF, a universidade pode participar ativamente deste processo, dando suporte institucional e acadêmico. “A universidade como instituição dialoga com esse processo na medida em que os cursos podem ter um currículo voltado para essa finalidade. Também com o desenvolvimento de projetos de pesquisa e de extensão universitária voltados para essa realidade. E também a partir de uma disposição política, institucional, de voltar o conhecimento produzido na universidade para o benefício da sociedade “, corrobora o pesquisador.

Representante do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Oona Castro salienta a importância da luta para que o direito à comunicação, seja reconhecido por Governos e sociedade e assuma o mesmo patamar do direito à educação e à saúde, por exemplo. “O principal desafio do direito à comunicação ser implementado como um direito é a população reconhecer que tem o direito de se comunicar. Os direitos de educação, saúde e lazer são muito mais reconhecidos do que o direito à comunicação “, assinala.

Nesse sentido, Oona Castro faz uma diferença entre comunicação pública comunitária e comunicação governamental, tendo como ponto de partida a cobrança de políticas públicas. “O segundo passo é que o Estado reconheça esse direito e desenvolva políticas nesse sentido. É preciso ter uma política pública que se construa em conselhos públicos, com a participação da sociedade civil, das comunidades, dos governos e das entidades interessadas em construir um sistema público que garanta que as pessoas exerçam seu direito de se comunicar e não apenas de receber informação “, conclui.

 

Jovens de “Olho Vivo” na mídia

Tudo começou em 2003, quando, após uma oficina de Fotografia, adolescentes do Morro do Preventório decidiram editar um jornal que circulasse em sua comunidade defendendo o interesse de crianças e jovens. Com o patrocínio do Instituto C&A, um grupo de 60 jovens editou seu primeiro jornal mensal.

Em 2005, a iniciativa alcançou mais duas comunidades: a da Colônia de Pesca da Jurujuba e a da Grota do Surucucu. Com o patrocínio do programa Petrobrás Fome Zero, foi possível editar mais essas duas publicações e colocar no ar página “Niterói Comunidades” <niteroicomunidades.org.br>, desenvolvido por adolescentes.

No projeto “Olho Vivo”, jovens destas três comunidades, com idade entre 13 e 20 anos, têm aulas de texto, fotografia e programação visual. Eles são estimulados a desenvolverem competências para analisarem a realidade ao seu redor e expressar a voz de suas comunidades nas publicações.

No entanto, também são promovidos encontros semanais para o debate de idéias. Na disciplina “Juventude e Cidadania”, adolescentes fazem um diagnóstico da situação de vida nas comunidades onde vivem e mobilizarem suas comunidades.

Os jornais são geridos pelos adolescentes que criam grupos de “Jovens Comunicadores”. Eles são responsáveis pela redação, edição, diagramação e distribuição das publicações. Em cada comunidade há um “Conselho Comunitário de Comunicação “, que determina as diretrizes temáticas dos jornais. O sustento dos projetos vem da venda de anúncios a comerciantes locais.

Há, ainda, um grupo específico de jovens comunicadores responsável pela manutenção da página eletrônica que colocar o conteúdo dos três jornais na Internet. Em suas oficinas, este grupo também discutiu temas relacionados à inclusão digital.

 

A trajetória de um repórter comunitário – Foi através de amigos que ele ficou conhecendo o projeto “Olho Vivo”.

Mesmo sem ter um a vaga garantida e depois do curso já ter começado, Márcio dos Santos, de 16 anos, se aventurou a assistir uma oficina de texto. Seu trabalho imediatamente agradou os professores. Desde então, o jovem estudante se transformou em repórter.

Morador da Grota do Surucucu e aluno da 1ª série do ensino médio, Márcio vexplica que desde que começou a participar das oficinas e depois que passou a trabalhar no “Jornal da Grota” seu comportamento mudou bastante: aumentou seu círculo de amizades e também seu repertório cultural.

“Antes de participar do projeto, quase não gostava de ler jornal. Agora, me ligo mais nas notícias que estão acontecendo. Sempre gostei de escrever, mas agora estou escrevendo mais ainda. Também arrumei mais amigos. Antes, eu quase não falava com ninguém da comunidade”, revela o estudante.

Outro aspecto modificado com a publicação do “Jornal da Grota” foi a postura com relação aos jovens da comunidade de Marcio. Segundo o estudante, durante os cinco meses de oficinas, muita gente não acreditou que a idéia da publicação se concretizasse. “Logo que começou a oficina, ninguém acreditava que ia sair o jornal. Depois que saiu a primeira edição, eles pensaram: ‘poxa, o pessoal tem capacidade para fazer um jornal’. Nossa segunda edição atrasou e as pessoas perguntaram se o jornal não ia sair”.

Depois de duas edições do “Jornal da Grota” – a edição zero saiu em novembro e a de nº1 em dezembro -, o repórter revela que desfruta de respeito e credibilidade dentro da comunidade. “Moro no morro. Com chuva, o morro ficou totalmente danificado. Na semana passada, falei com a Associação de Moradores para eles consertarem a escada e eles se prontificaram a fazer uma nova assim que o período de chuvas passar. Se fosse há quatro meses, eles iam dar as costas para mim e sair andando’.

Antes eu tinha vergonha de fazer um pedido desses e hoje eu tenho esse crédito com a Associação de Moradores”, ressalta.

As mudanças também foram sentidas na escola. Com o trabalho de repórter, o interesse pela aulas de Língua Portuguesa aumentou. Mas, as redações de grandes jornais estão distantes dos sonhos que Márcio faz para o futuro. “Quero ser oficial da Marinha. Tenho uma tia que é oficial e me espelho nela. Se eu não conseguir, vou fazer Engenharia “, afirma.

 

Inclusão Digital: um desafio para a sociedade

Lançado oficialmente no último dia 16, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, o sítio “Niterói Comunidades” traz o conteúdo dos jornais: “Palavra do Morro”, da comunidade do Morro do Preventório; “Jornal da Grota”, da comunidade da Grota do Surucucu; e do “Mar de Histórias”, da comunidade da Colônia de Pesca de Jurujuba.

Além disso, quem acessa a página eletrônica encontra a história dessas comunidades – contada por seus moradores e escritas pelos adolescentes dos projetos -, dados estatísticos sobre a população, serviços, classificados, informações sobre os projetos sociais desenvolvidos nas comunidades, banco de currículos, agenda de eventos e fotos tiradas por alunos da oficina de fotografia.

Através da navegação da internet, brasileiros e o mundo poderão conhecer de forma mais detalhada a história e o dia-a-dia das comunidades de Niterói. Mas, quantos moradores dessas comunidades têm computador em casa? Quantos deles têm acesso à internet? Como poderão usar a rede eletrônica como meio para troca de informações, experiências e articulação social?

Para responder a estas questões, a Bem Tv promoveu o debate “Inclusão Digital, que bicho é esse?” durante o evento no MAC. Participaram das discussões Oona Castro, representante do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social); Luiz Antônio Carvalho, coordenador da Rits (Rede de Informações para o Terceiro Setor) e Edson Machado, subsecretário de Modernização Administrativa de Niterói.

Segundo Luiz Carvalho, as mudanças ocorridas nos meios de comunicação são cada vez mais rápidas e mais convergentes. A vida moderna, cada vez mais, é permeada pelas mídias eletrônicas. Por isso, ele ressalta os prós e os contras desta verdadeira revolução, assinalando a necessidade da inclusão digital.

“Esses avanços tecnológicos que podem significar o incremento da desgraça de muitos. No Brasil, há enormes desigualdades sociais, regionais, de etnia e de gênero. Essas desigualdades que poderiam diminuir com a revolução digital, podem acabar aumentando”, ressalta o coordenador da Rits.

Subsecretário de Modernização Administrativa de Niterói, Edson Machado afirmou que o município é o primeiro do Estado em inclusão digital e o terceiro do Brasil. “Esse índice se deve ao fato de Niterói ter uma classe média muito forte. Mas, nosso prefeito Godofredo Pinto e o secretário de Educação, Waldeck Carneiro entenderam a importância da inclusão digital. Em um ano e meio de governo já temos 21 telecentros pela cidade “, destacou.

Os telecentros são espaços que têm de 10 a 20 computadores, abertos a população em geral e a alunos da rede municipal especificamente, onde o uso de computadores e acesso à internet são gratuitos. Nesses locais são promovidas oficinas de informática e há monitores que orientam os usuários no uso dos equipamentos. Os programas utilizados são “softwares livres”.

Questionado sobre o destino do Telecentro de Jurujuba, fechado no meio do ano, Edson Machado informou que a unidade passa por reformas e será reaberta em breve.


(Fonte: Folha Dirigida –  27 de dezembro)

 

 

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