Reforma trabalhista é parte da estratégia para concentrar renda

Em seminário realizado na última segunda-feira, 20, na sede da Fetraf-RJ/ES, os participantes ouviram as ponderações e alertas proferidos por três palestrantes sobre os riscos que representam as mudanças propostas pelo governo federal dentro da reforma trabalhista. A advogada Ana Luísa Palmisciano, o procurador do MPT Rodrigo Carelli e o deputado federal e advogado Wadih Damous deixaram claro que a mudança da legislação do trabalho – associada à reforma da previdência – constitui um ataque sem precedentes à proteção social dos trabalhadores.

Wadih Damous, que é titular da Comissão Especial da Reforma Trabahista na Câmara, destacou que a hoje combatida CLT não é um instrumento legal concedido por benevolência. Já na década de 1940 o então presidente Getúlio Vargas percebeu que, caso não se garantisse alguns direitos para os trabalhadores – que fortaleciam a cada dia sua organização – o país podia entrar em convulsão. “A CLT procura regulamentar o capitalismo. É um princípio civilizatório mínimo para preservar o sistema capitalista”, destacou o deputado.

O parlamentar também destacou que o governo federal está argumentando que as mudanças na legislação vão gerar empregos. Em audiência na Comissão Especial da Reforma Trabalhista em 16 de fevereiro o ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, afirmou que a reforma vai gerar cinco milhões de postos de trabalho. Mas Wadih questiona esta estimativa, já que nenhum estudo foi apresentado para embasar esta estimativa.

Quanto à atuação dos movimentos sociais, o deputado carioca destaca que é a pressão popular que pode fazer frente à ofensiva dos empresários. “A reforma só vai ser barrada com mobilização. A base do governo tem maioria para Emenda Constitucional, não tem como perder nas votações”, avalia. Para que a mobilização aconteça, entretanto, é preciso que as entidades e coletivos organizados dialoguem com a população. “É mais fácil explicar a reforma da previdência do que a reforma trabalhista. Mas é preciso que se criem modos de comunicação mais simples para que as pessoas possam entender o que está sendo discutido”, recomenda Wadih.

Apesar da pressão dos empresários e da ânsia do governo e base aliada em aprovar as mudanças, as vozes contrárias também são fortes. “Juízes e procuradores do Trabalho e advogados trabalhistas são contra a reforma e já se posicionaram publicamente. Diversas entidades representativas de profissionais do Direito já se manifestaram contra a proposta”, destaca o parlamentar.

Autonomia ameaçada

A advogada trabalhista Ana Luísa Palmisciano – que presta assessoria jurídica à Fetraf-RJ/ES – destacou que a proposta de reforma da legislação atinge em cheio a proteção social ao trabalhador. “A autonomia coletiva para negociação foi criada para acrescentar, não para flexibilizar direitos. A prevalência do negociado sobre o legislado para promover a renúncia a direitos contraria os princípios do Direito do Trabalho”, pondera a advogada.

Outro ponto que tem sido saudado pelos empresários como positivo é a possibilidade de regulamentação do trabalho temporário. “Além de precarizar o trabalho, esta medida também tem consequência sobre o trabalho sindical”, alerta. A consequência é a fragilidade dos sindicatos e a tendência das negociações serem feitas à revelia da entidade representativa da categoria.

Ana Luísa ainda destaca que a retirada de direitos, ao contrário do que pregam os defensores da reforma, não gera mais empregos e, muito menos, empregos melhores. “A OIT pesquisou países em que direitos trabalhistas foram retirados e não houve geração de emprego, nem crescimento da economia”, critica. Para a advogada, as políticas de combate à pobreza não são suficientes para a redução das desigualdades. “A flexibilização dos direitos trabalhistas e, ao mesmo tempo, a reforma da previdência, que restringem direitos, vão provocar um aumento da desigualdade”, alerta.

A advogada também ressalta que o ataque a direitos fundamentais – e o trabalho é um deles – também pode acarretar retrocessos em direitos civis e políticos. “É preciso desmascarar este discurso de que o Direito do Trabalho é penoso para os empresários. Ao invés de estarmos lutando para manter os direitos básicos, deveríamos estar buscando avançar em direitos que geram padrões de bem estar”, pondera. Mas, diante dos ataques promovidos pelo governo, a sociedade se vê forçada a lutar para não perder o que já tem. “Se estas reformas passarem, poderemos ter,  num período curto, desigualdades até maiores que já vimos em décadas passadas”, prevê Ana Luísa.

Grasnar ensurdecedor

O procurador Rodrigo Carelli começou sua fala mencionando que “no fundo, estamos tratando de pato”, em referência ao símbolo usado pela Fiesp nas manifestações pró-impeachment. “Eles dizem que não vão pagar o pato, mas é lógico que alguém vai ter que pagar. Quando eles ganharam de volta o governo, passaram o pato para frente e agora ele é nosso”, compara o procurador. Ainda neste paralelo, Carelli afirmou que o Direito do Trabalho é uma forma de “dividir o pato”, numa dinâmica de concessão e conquista.

Carelli lembrou, ainda, que a primeira lei trabalhista brasileira, a que tratava do direito a férias – 15 dias por ano – foi criada em 1925 como uma das consequências da primeira greve geral realizada no país, em 1917. Numa época em que os trabalhadores fortaleciam sua organização, as mobilizações de cem anos atrás levaram à primeira conquista, naturalmente combatida pelos empresários. “O Centro de Comércio e Indústria de São Paulo orientou as empresas a não cumprir a lei”, recordou o procurador. Ele lembrou, ainda, que o jornal O Globo foi um dos maiores críticos do 13º salário. “Direitos custam dinheiro”, explicou Carelli.

Para o procurador, todo o planeta passa por um momento em que o capital sente menos a pressão para conceder direitos e que o movimento está pendendo para o lado do poder econômico. “O pato tem sido passado para os trabalhadores pagarem no mundo todo”, resume.

Quanto a declarações recentes do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que o judiciário trabalhista é desnecessário, Carelli não se deixa iludir. “Eles não querem o fim da Justiça do Trabalho. Querem captura-la. Uma Justiça do Trabalho que diga que, mesmo em greve, as categorias mantenham 100% da atividade nos horários de pico e 90% no resto do dia. Querem um direito trabalhista que os atenda”, acredita Carelli.

O procurador também entende que as reformas trabalhista e previdenciária são complementares. “Elas podem trazer um futuro sombrio. E a quem interessam estas reformas que vão provocar concentração de renda”, questiona. Esta concentração, ao contrário do que compreende boa parte da classe média, será para uma ínfima parcela. “Mesmo entre os empresários podemos traçar uma divisão. O pequeno e o médio, de um lado, e os grandes, do outro. Podemos dividir entre empresários e capitalistas. Estes vão ficar cada vez mais ricos”, aponta.

Rodrigo Carelli destaca que o tripé terceirização-negociado sobre legislado-casualização do trabalho são os principais e mais desastrosos pontos da reforma. No seu entender, a fragmentação trazida pela terceirização torna ainda mais danosa a prevalência do negociado sobre o legislado.

Com a possibilidade da legalização do trabalho intermitente – em que o trabalhador não tem jornada fixa, mas trabalha e é remunerado pelas horas em que produz – a fragilidade é ainda maior. É o que chama de “uberização do trabalho”, citando o exemplo da empresa multinacional de transporte de passageiros que tem milhares de pessoas trabalhando sem nenhum vínculo empregatício. Outro risco da casualização é o crescimento do trabalho escravo. “É por isso que querem mudar a definição de trabalho análogo à escravidão”, cita Carelli, em referencia a matéria que já tramita no Congresso.

Um alerta que Carelli faz é sobre o risco que representa a discussão de matérias trabalhistas pelo Supremo Tribunal Federal. “O que pode vir pelo Supremo é muito pior que o que vem pelo Congresso. E o TST já validou negociação coletiva feita à revelia do sindicato, em local onde havia representação sindical da categoria”, aponta.

Diante dos ataques, Carelli cita a vitória recente dos estivadores da Espanha. O parlamento espanhol ratificou uma determinação da Comunidade Européia que definia uma reestruturação positiva dos portos de todo o continente. A mudança resultaria em redução de 75% dos postos de trabalho na categoria. Depois de 2 meses de greves e muita mobilização dos trabalhadores portuários, os parlamentares foram obrigados a voltar atrás. “A mobilização da reforma da previdência tem que ser vinculada à da reforma trabalhista. Não existe direito adquirido; o que existe é luta para garantir direitos”, destaca.

 

 

Fonte: Fetraf-RJ/ES