Nova definição de trabalho escravo provoca reações

A publicação da portaria 1.129 do Ministério do Trabalho que muda a definição de trabalho escravo está provocando reações em diversos setores. A mudança na caracterização e exigências relativas às operações de fiscalização dificultam o enquadramento de muitas situações como trabalho análogo à escravidão e deixam ainda mais vulneráveis os trabalhadores explorados.

Mas a reação foi rápida. Os auditores fiscais do trabalho, ligados ao ministério e responsáveis pela fiscalização e autuação dos infratores, paralisaram atividades em vários estados. A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge – que atuou diretamente no combate à pratica quando estava no Ministério Público Federal – já enviou ao ministério uma recomendação para que a portaria seja revogada. A OIT – Organização Internacional do Trabalho emitiu nota oficial criticando a medida e afirmando que “o Brasil corre o risco de interromper essa trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo”. Até mesmo a chefia da Secretaria de Inspeção do Trabalho, departamento do Ministério responsável pela fiscalização, e Divisão de Fiscalização da Erradicação do Trabalho Escravo já classificaram a portaria como ilegal.

A portaria 1.129 muda a caracterização da situação análoga à escravidão retirando aquelas que são suas características mais importantes: condições degradantes de trabalho, jornadas extenuantes e servidão por dívida. Ficaram mantidas somente as questões do cerceamento de liberdade e retenção de documentos. A medida também determina que a autuação seja feita somente mediante registro de ocorrência lavrado por autoridade policial que deve acompanhar a fiscalização, o que retira dos Auditores Fiscais do Trabalho a prerrogativa de autoridade trabalhista que lhes foi assegurada pela lei 13.464, em vigor desde julho. Outra mudança diz respeito à divulgação da Lista Suja com os empresários envolvidos em exploração de trabalho escravo, que passa a depender de autorização expressa do ministro do Trabalho.

Jogada política?

Michel Temer tenta tirar o corpo fora, alegando que a portaria foi uma decisão do ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, mas ninguém acredita. Criticada por juristas, que apontam vários vícios de legalidade, a portaria tem sido considerada uma benesse do presidente golpista à bancada ruralista, para que votem contra a denúncia apresentada contra ele pela PGR.

Mas, ao contrário do que muitos pensam a princípio, os empresários urbanos também serão favorecidos – e a Fiesp já se manifestou a favor das mudanças. Ao contrário do que ocorre no campo, os trabalhadores urbanos mantidos em regime análogo à escravidão nem sempre ficam trancados nas oficinas. Como as demais características importantes foram removidas da definição, estes trabalhadores – abundantes principalmente na indústria do vestuário e na construção civil – ficam desprotegidos. E o índice de escravização urbana vem crescendo ao ponto de em 2014, o número de trabalhadores libertados nas cidades superar os do meio rural.

Entidades de operadores do Direito, tanto ligadas ao Judiciário, quanto ao Executivo e à sociedade civil já se pronunciaram contra as mudanças. Artistas e ativistas não estão poupando críticas. E até a grande imprensa, que dificilmente se coloca ao lado dos trabalhadores quando interesses empresariais estão em pauta, tem criticado a portaria 1.129. Há quem aposte que ela cai logo após a rejeição da denúncia contra Temer. Resta saber se o presidente terá coragem de tirar o doce da boca dos principais sustentadores de seu governo.

 

Fsmall>onte: Fetraf-RJ/ES