Espírito Santo: caos na segurança é responsabilidade do governador

O Espírito Santo está passando por uma situação caótica com a paralisação das atividades dos policiais militares e a população está enfrentando uma onda de violência nunca vista. Como não têm direito de greve por serem militares, os PMs estão contando com a participação de seus familiares, que estão montando piquetes em frente aos quartéis e impedindo a saída dos policiais e viaturas. O aquartelamento dos militares da segurança pública capixaba começou na madrugada do dia 4, um sábado.

Segundo Carlos Pereira de Araújo, o Carlão, Secretário de Imprensa do Sindicato dos Bancários, o panorama é alarmante. “Na primeira semana, os ônibus circularam, então as pessoas não podiam ir trabalhar. Hospitais e escolas não abriram, o comércio não funcionou, supermercados ficavam abertos até meio dia, duas da tarde. Algumas pessoas não tinham mais mantimentos em casa e aconteceram saques, principalmente à noite. Mas também tinha gente de classe média saqueando supermercados e lojas, gente dita “de bem” que se aproveitou da situação. As pessoas ficam com medo. À noite ninguém sai de casa, bares e botequins não estão abrindo à noite”, relata o sindicalista.

O Sindicato dos Bancários entrou em contato com os bancos assim que a paralisação começou para pedir que o funcionamento de todas as agências bancárias fosse suspenso. Mas as agências do Itaú foram mantidas abertas durante toda a semana. Na segunda-feira, o Santander também abriu, mas o bom-senso falou mais alto e o banco manteve unidades fechadas no resto da semana. Já o Banestes, que não funcionou nos primeiros dias, abriu na sexta-feira. “Não é só a questão do funcionamento, que expõe os trabalhadores e os clientes ao risco. Mas também temos que pensar nos bancários, que correm perigo ao se dirigirem para os locais de trabalho. Tivemos notícia de uma bancária que teve seu carro roubado de dentro do estacionamento da agência”, relata Carlão.

A onda de violência sem precedentes não surpreende num estado que já detém recordes de crimes. Mesmo assim, os números estão muito além do normal. “Em 2016, durante todo o mês de janeiro foram assassinadas quatro pessoas. Este ano, somente na primeira semana de paralisação, o número de homicídios confirmados passou de cem”, compara Carlão. O sindicalista destaca, ainda, que é preciso ir além dos números e conhecer mais sobre estas mortes. “Além de saber quantos, é preciso saber também quem está matando e quem está morrendo. E por quê”, pondera o dirigente sindical.

Nas periferias, há relatos de uma situação mais calma que o normal. “Na favela sempre há tiroteios e mortes. A diferença, agora, é que não tem polícia para dar “baculejo”. Já os confrontos entre facções criminosas permanecem. “A polícia acaba mediando estes conflitos, porque, quando chegam os policiais, cada um vai para um lado”, esclarece Carlão.

Engodo

No ultimo sábado, 11, as mídias local e nacional informaram que a paralisação dos policiais havia acabado, depois de uma negociação entre o governador e familiares dos PMs. Mas a notícia era falsa. Na verdade, nesta segunda-feira, 13, houve retorno ao trabalho de cerca de 12% do efetivo e aumento da presença da Força Nacional no estado. “Há alguns policiais e também homens do exército e da Força Nacional nas ruas e os ônibus voltaram a circular, o comércio abriu em alguns lugares, as escolas estão funcionando. Mas tudo deve fechar cedo. Nós, aqui no Sindicato, estamos encerrando o expediente cedo, para não expor ninguém”, relata Carlão.

Já os bancos, aproveitaram a aparência de normalidade para reabrir as agências. Mas o sindicato continua pressionando para que as unidades permaneçam fechadas e só voltem a abrir quando a situação da segurança pública estiver realmente normalizada. “O governo usa a mídia para passar uma ilusão de tranquilidade, mas pessoas continuam sendo assassinadas, principalmente jovens negros e pobres, continua havendo assaltos, ninguém tem segurança para sair à rua”, informa o sindicalista.

A negociação que o governador informa estar mantendo com as famílias dos policiais também não passa de falácia. “O acordo que ele diz que está propondo não é acordo coisa nenhuma. É somente o que está previsto na legislação”, esclarece o dirigente sindical.

Os próximos dias serão difíceis, não só porque o impasse permanece, mas porque está se aproximando o carnaval e a tradição capixaba é de começar a festa uma semana antes do calendário oficial. “Estamos vendo que a corporação Polícia Militar está dividida. parte da cúpula é a favor do fim da paralisação. Já entre os policiais de patente mais baixa, há coesão e a grande maioria não pretende recuar”, relata Carlão.

Modelo privatista

Quando começou a paralisação, com os piquetes nas portas dos quartéis, dirigentes do Seeb-ES foram conversar com as famílias dos policiais aquartelados. “Levamos a eles nosso apoio, porque entendemos que são servidores públicos, como todos os outros, e que o movimento é justo, porque há um arroxo e o governo do estado não negocia. Mas é preciso que não fique só num movimento dos policiais. É preciso pressionar para que o governador negocie também com os servidores da saúde, da educação, de todos os setores que estão sofrendo do mesmo jeito. Policial é servidor público tanto quanto um professor”, defende o sindicalista.

A negociação é difícil, porque tudo depende do governador Paulo Hartung, velho conhecido do Sindicato dos Bancários. Pela terceira vez à frente do governo do estado, já ameaçou privatizar o Banestes diversas vezes e sempre adotou um modelo privatista. Carlão lembra que, de todas as vezes que o governo ameaçou privatizá-lo, o Seeb-ES e os movimentos sociais fazem campanha em defesa do banco e os capixabas aderem. Não são só os funcionários, mas clientes, inclusive comerciantes. Mas, nas gestões de Hartung, as negociações salariais com os representantes do funcionalismo são duras e os empregados chegaram a ficar mais de uma vez sem acordo coletivo e com reajuste zero.

Para Carlão, a situação calamitosa a que chegou o estado do Espírito Santo é resultado da política econômica adotada pelo governo local. Hartung, do PMDB, já completou dez anos à frente do estado – foi precedido por Renato Casagrande (PSB), que o sucedeu em 2011, depois de dois mandatos. Por todos estes anos, Hartung sempre atuou em favor das grandes empresas. Não por acaso, foi o primeiro governador a manifestar apoio ao golpista Michel Temer.

As gestões do PMDB, PSB e PSDB no estado, desde 1999, foram marcadas por enorme favorecimento a grandes empresas, sem a cobrança da contrapartida para minimizar os danos que causam. “Temos muitas críticas ao governo, que abre mão de bilhões em isenção fiscal a empresas como a Accelor-Mital, a Vale e a Aracruz Celulose, que hoje se chama Fribria. É preciso rever este modelo de conceder facilidades a empresas que prometem gerar empregos, mas acabam provocando degradação ambiental e problemas sociais. A Aracruz, por exemplo, consome mais água para a produção de celulose que toda a população do estado. Isso sem falar no esgotamento dos mananciais pelas plantações de eucalipto”, pondera o sindicalista. “E também temos a questão da dívida pública, que desvia dinheiro público para pagar juros. Se a situação chegou a este ponto, a responsabilidade é do governador, que deveria ter administrado o estado”, acrescenta Carlão.