ESPECIAL MÊS DA MULHER: Em briga de marido e mulher, AGORA se mete a colher

Por Rita da Costa Pereira*



Com a chegada da burguesia ao poder, uma nova ordem despontou no horizonte. No período que ficou conhecido como a Belle Époque (1890-1920), se deu a consolidação de valores e atribuições dos papéis sociais femininos e masculinos que acabaram por contribuir e consolidar a dominação masculina sobre a mulher.



À mulher foi destinada a casa e, para reinar nesse espaço, era preciso ser comedida, dócil, honrar e respeitar seu marido, cuidar de seus filhos, não desenvolver a sua inteligência – já que esse era um traço masculino e comprometia sua natureza dócil. Ao homem foi destinada a rua e, como senhor soberano, deveria prover sua casa e gozar de total liberdade. Liberdade que incluía o exercício pleno de sua sexualidade. À mulher era vetado o exercício de sua sexualidade, considerado um desvio de caráter grave, punido de forma violenta. Punida pelo Estado, com o consentimento da sociedade.



Em uma sociedade patriarcal com tais valores, ser marido era também ser “dono”, e a mulher era “propriedade privada” do homem. Por isso é fácil entender a conhecida frase: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. A violência doméstica era assunto privado.



Esta autoridade masculina não estava presente somente no discurso, ela se fazia presente na lei. Em nosso país, o código Penal de 1890 previa prisão celular de 1 a 3 anos para a mulher adúltera. Neste código, só a mulher era penalizada.



No Brasil do início do século XX o crime passional não era passível de punição. A violência era justificada por uma perda momentânea da razão, causada por emoções fortes, como o ciúme, que justificava o homicídio, em nome do amor e da honra. Herança do ideal de amor romântico que não suportava a vida sem seu objeto de amor.



Mesmo nessa “camisa de força” as mulheres brasileiras alcançaram conquistas importantes no século XXI no que diz respeito à penalização da violência doméstica. Em 07/08/2006, foi criada a lei de número 11.340, que ficou conhecida como lei Maria da Penha – homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi colocada em uma cadeira de rodas pela violência cometida por seu ex-marido. Esta lei alterou o código de processo penal, permitindo ao juiz decretar a prisão preventiva do agressor, e criminalizou a violência doméstica. Deu um basta às cestas básicas como punição para esse tipo de crime.



Mais recentemente, no dia 09/02/2012, por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os agressores de mulheres poderão ser denunciados independente da vontade da vítima. Desde a sua criação, que aumentou o número de denúncias de violência doméstica, esta foi a alteração mais significativa na  lei 11.340. Até então somente as vítimas podiam fazer a denúncia. O medo que sentem do agressor sempre foi um grande entrave à denúncia da violência pelas mulheres. A vergonha e o medo fazem com que se sintam sozinhas, mas, com a última decisão do STF, a violência doméstica deixou de ser assunto da esfera privada e passou a ser o que sempre foi: responsabilidade pública.



Esta conquista permite que qualquer cidadão ou cidadã denuncie essa prática que viola os direitos humanos. Não tenho a ilusão de que estes mecanismos acabem com a violência doméstica, nem é esse o seu objetivo. Mas eles podem, sim, penalizar e tentar conter esse tipo de crime. Em nosso país os índices ainda são alarmantes e a cada quinze segundos uma mulher sofre algum tipo de violência no Brasil. Pessoalmente, só acredito na mudança da mentalidade de dominação masculina através da educação que valorize o direito à igualdade entre os gêneros. Mas enquanto não avançarmos nessa questão, em briga de marido e mulher AGORA eu meto, sim, a colher.


 



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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira