Como sonegar e culpar a Previdência

Frei Betto*

 

Pagar menos impostos é fácil no Brasil. Basta ser empresário, tomar dinheiro emprestado do governo e depois recorrer ao pai de todas as sonegações, o chamado Refis (Programa de Recuperação Fiscal).

Na hora de pagar a dívida, você recorre e o governo negocia em condições mais do que de mãe para filho. Mas não se apresse. Deixe de pagar e aguarde o próximo Refis, pois com certeza os juros serão ainda mais baixos.

O governo brasileiro tem a receber, de impostos atrasado, uns R$ 300 bilhões. Parcela dessa dívida o gato comeu, pois os devedores já faleceram ou as empresas faliram. E quando se deixa de pagar imposto isso significa menos hospitais, menos escolas, menos obras públicas, enfim, menos benefícios para a população.

O governo não perdoa dívida de pessoa física, mas é uma mãe com as pessoas jurídicas. Se a sua empresa deixou de pagar impostos, mas é produtiva, fique tranquilo. O leão não vai mordê-lo. Vai esperar mansinho que você se recupere…

O próximo Refis deveria engordar os cofres do governo em R$ 13 bilhões. Mas o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), relator da Medida Provisória do novo Refis, agiu em interesse próprio, já que tem dívidas, e reduziu a proposta do Refis em 90%. Se o projeto dele for aprovado, o leão vai morder apenas R$ 500 milhões dos 13 bilhões previstos.

E os R$ 12,5 bilhões que ficarão faltando? Ora, nós, cidadãos brasileiros, arcamos com o prejuízo. Detalhe: deputados federais e senadores devem ao fisco pelo menos R$ 3 bilhões.

Como cobrir o buraco nas contas do governo? Temer simplesmente aumentou este ano o PIS/Cofins que pagamos ao botar combustível no carro, o que assegura à Receita uma entrada de R$ 10 bilhões, e meteu a tesoura em mais R$ 5,9 bilhões, corte que significa menos saúde, menos educação etc. Em nome do ajuste fiscal, o presidente já havia cortado R$ 45 bilhões.

Poucos dias antes de a Câmara dos Deputados obstruir a Justiça e impedir que o presidente fosse investigado pelo STF, Temer editou Medida Provisória que livra os produtores rurais de pagar, nos próximos anos, mais de R$ 10 bilhões de impostos. Foi reduzida a alíquota paga por eles ao Funrural. E os ruralistas com dívidas com a União terão descontos nas multas e poderão pagar de forma parcelada.

Para a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a medida retira recursos da Previdência em um momento em que o governo propõe mudanças nas regras de aposentaria para conter o déficit do INSS, e beneficiará grandes empresas.

Segundo números da Receita Federal, somente com o perdão de juros e multas a perda de arrecadação será de R$ 7,6 bilhões em 15 anos, prazo de parcelamento dos débitos. Com a redução da alíquota do Funrural, o governo deixará de receber R$ 4,36 bilhões entre 2018 e 2020. Somadas, as perdas com perdão de juros e multas, e com a redução da alíquota, chegam a R$ 11,96 bilhões. E esse valor pode ser maior se a redução da alíquota vigorar além de 2020.

E ainda dizem que a culpa da falta de dinheiro do governo é da Previdência Social.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
freibetto.org     twitter: @freibetto

 


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