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Previdência: essa conta não é do trabalhador

Por Adriana Nalesso*

 

A cara de pau dos empresários brasileiros nós já conhecemos, mas eles conseguem sempre nos surpreender com suas declarações e atitudes.

Um anúncio de página inteira assinado pela Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – está sendo divulgado nos grandes jornais responsabilizando todos os brasileiros pelo déficit da Previdência.

Esse é mais um dos grandes absurdos que o governo está tentando empurrar para a conta dos trabalhadores. E os empresários, como um dos maiores patrocinadores do golpe, ajudam com prazer.

De acordo com levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, empresas devem R$ 426,07 bilhões à Previdência Social. O valor corresponde a quase três vezes o déficit alegado pelo governo Temer para justificar a reforma da Previdência. Somente os cinco maiores bancos, Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica devem juntos mais de R$ 1,3 bilhão.

O governo acabou de anunciar que não vai cobrar, mais uma vez, os R$25 bilhões sonegados pelo Itaú relativos à valorização do banco devido à fusão com o Unibanco. Parte desse dinheiro sonegado seria destinado ao pagamento da Previdência Social.

Será que ainda existe alguma dúvida de quem é a culpa do déficit da Previdência? Nós, trabalhadores, não temos somente a convicção, mas temos provas que o governo mente ao afirmar que a Previdência é deficitária. Se dívidas como a dos banqueiros e empresários fossem cobradas e o próprio governo pagasse a sua parte na conta, os trabalhadores não precisariam ser penalizados por um governo que tem como meta tirar todos os direitos adquiridos e nos transformar em máquinas operando com sua capacidade máxima.

Medidas como taxação de grandes fortunas, venda de imóveis da Previdência, que estão sem uso, melhoria da fiscalização e cobrança dos devedores já deixariam a Previdência com superávit, e, quem sabe, poderiam até pagar as aposentadorias milionárias do Temer (R$68.985), Sarney (R$109.892), Fernando Henrique Cardoso (R$67.450) e tantos outros que apoiaram o golpe e querem que o trabalhador pague pelas suas mordomias.

 

* Adriana Nalesso é presidenta do Sindicato dos Bancários Rio de Janeiro

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Mais caro, mais sujo

por Ikaro Chaves e Fabiola Latino*

 

Não é verdade que o projeto do governo Temer para o Setor Elétrico Brasileiro se resuma à privatização da Eletrobras, ele vai muito além, mas assim como a irresponsável proposta de privatizar a maior empresa de energia elétrica da América Latina, a mudança no marco legal do setor aponta para um perigoso e insustentável futuro para o país.

O Brasil construiu uma das matrizes energéticas mais limpas e renováveis do mundo, muito em função do setor elétrico. A título de comparação, no ano de 2016 quase 70% da energia elétrica produzida no Brasil teve origem hidráulica, enquanto que na China, maior consumidor desse produto no mundo, mais de 60% da produção teve por base o carvão mineral. Entretanto essa vantagem econômica e ambiental está seriamente ameaçada.

A nota técnica n°5, da consulta pública 33 do Ministério das Minas e Energia (MME), lançada em julho de 2017, chamada “Proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico” traz dentre outras proposições a separação entre energia e lastro (garantia de fornecimento). Hoje as usinas vendem sua garantia física, ou seja, um certificado de capacidade de produção de energia no decorrer de um ano.
Um dos problemas mais sérios do setor elétrico brasileiro, o GSF (Generation Scale Factor) que nada mais é do que a diferença entre as garantias físicas das usinas e a energia que elas efetivamente são capazes de entregar. Essa diferença tem causado sérios problemas às geradoras e no fim das contas aos consumidores, pois esse déficit hídrico é suprido pela geração termelétrica, muito mais cara, dando origem às bandeiras tarifárias.

A solução proposta é que as usinas, sejam elas hidráulicas, térmicas ou de outra fonte, vendam energia e lastro, ou seja, confiabilidade. Os critérios propostos pelo MME para valorar o tal lastro são: confiabilidade; velocidade de resposta às decisões de despacho; contribuição para as perdas de energia elétrica; economicidade proporcionada ao sistema de transmissão ou de distribuição necessário ao escoamento da energia gerada; capacidade de atendimento à demanda de energia elétrica nos momentos de maior consumo e capacidade de regulação e tensão e frequência.

As características acima listadas em tudo favorecem a geração termoelétrica, dentre outras coisas porque uma usina térmica pode ser construída próxima ao centro de carga e, desde que haja combustível, pode gerar em potência máxima sempre que solicitada. Muito diferente de uma hidrelétrica, por exemplo, que depende da disponibilidade de água para gerar, ou mesmo das usinas eólicas, totalmente dependentes do regime dos ventos.

A suspeita de que o governo trabalha na direção do aumento da geração termoelétrica a combustíveis fósseis é reforçada pelos dados do Plano Decenal de Energia (PDE) 2016-2026, fornecido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Nesse plano prevê-se para o período um incremento de 1.317 MW de energia hidrelétrica e de 2.667 MW em térmicas, além disso o PDE prevê um incremento de 23.529 MW em pequenas centrais hidrelétricas, eólicas, biomassa e solar.

Três coisas chamam a atenção no PDE: 1. A energia termoelétrica, mais cara, mais poluente e não renovável crescerá mais que o dobro da energia hidrelétrica; 2. Há uma aposta muito forte no crescimento da energia eólica; 3. Por conta da intermitência da geração eólica aposta-se numa tal “geração alternativa de ponta”, muito provavelmente térmica e que somaria nada mais nada menos que 12.198 MW.

É inadmissível que o Governo faça uma proposta completamente desalinhada dos protocolos internacionais dos quais o Brasil é signitário. A COP 17 e o Rio +20, apontam a necessidade de investimento em energia limpa, renovável. O documento “O Futuro que Queremos”, resultado do Rio +20, aponta o “papel fundamental que a energia desempenha no processo de desenvolvimento, já que o acesso a serviços de energia modernos sustentáveis contribui para a erradicação da pobreza, salva vidas, melhora a saúde e atende às necessidades básicas do ser humano. Ressaltamos que esses serviços são essenciais para a inclusão social e a igualdade de gênero, e que a energia é também uma contribuição essencial para a produção.”

A hidroeletricidade é energia barata, renovável e muito menos geradora de gases de efeito estufa do que a termoeletricidade gerada por combustíveis fósseis. Os reservatórios das usinas hidrelétricas funcionam como grandes baterias de acumulação de energia na forma de energia potencial gravitacional, regulando o despacho de carga de forma eficiente e barata. Na verdade, esses reservatórios, quase sempre, trazem muito mais benefícios às populações do que apenas a geração de energia. Controlam a vazão dos rios, são utilizadas para a irrigação, a pesca, o abastecimento humano e animal e até para o lazer. O potencial hidrelétrico brasileiro é de 260 mil MW, desses apenas 30% foi utilizado e o remanescente, em condições de ser aproveitado seria capaz de mais do que dobrar nossa capacidade instalada de energia hidrelétrica.

Nos países mais desenvolvidos do mundo, quando há potencial hidrelétrico este é utilizado, é assim na Noruega, no Canadá, na França, no Japão e nos EUA, por exemplo. Já no Brasil, a despeito de nossa expertise na construção e operação de usinas hidrelétricas, os obstáculos legais para a construção de novas usinas são tão grandes que mesmo ainda possuindo imenso potencial estamos preferindo deixa-lo de lado para queimar combustíveis fósseis. Países como a Alemanha e a Espanha, onde se verifica grande crescimento das energias eólica e solar, buscam novas opções tecnológicas para resolver o problema da intermitência dos ventos e do sol, mas por lá, basicamente, quem ainda cumpre esse papel são as térmicas.

Nos anos 90, quando o governo FHC propôs sua remodelação do setor elétrico, buscou inspiração na Inglaterra, que privatizou e mercantilizou completamente o setor. Na época, especialistas alertavam que o modelo inglês não poderia ser copiado no Brasil porque enquanto o sistema elétrico britânico era baseado na geração térmica, por aqui a base era hidráulica. Pois bem, passados mais de 20 anos da reforma neoliberal no nosso setor elétrico e quando fica cada vez mais evidente a inadequação desse modelo, ao invés de readequar o marco legal à realidade brasileira de uma matriz fortemente hídrica e renovável o governo parece disposto a mudar a matriz energética brasileira, tornando-a mais parecida com a inglesa, baseada em combustíveis fósseis.

A hidroeletricidade é o complemento perfeito para suprir essa deficiência das fontes intermitentes e se os países europeus ainda tivessem potencial hidrelétrico a aproveitar certamente o fariam, mas por aqui, mesmo contando com essa dádiva da natureza, pelo visto vamos preferir pagar mais caro e poluir mais o planeta.

 

* Íkaro Chaves é integrante da secretaria de Formação Sindical e Cultura do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal (STIU-DF) e foi representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Eletronorte. Fabiola Latino é diretora do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal (STIU-DF), pela secretaria de Política Externa, e secretária de Energia da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU).

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Atrasos na educação brasileira

Frei Betto*

 

Os cortes no orçamento da Educação, feitos pela tesoura implacável de Temer, fazem de seu governo uma ponte para o passado.

O IBGE divulgou, no apagar das luzes de 2017, dados do PNAD que retratam a situação educacional do Brasil em 2016. O analfabetismo perdura em 7,2% da população com mais de 15 anos de idade. São 11,8 milhões de analfabetos, equivalente à população de Cuba, que erradicou o analfabetismo em 1961.

Convém lembrar que o PNE (Plano Nacional de Educação), aprovado em 2014, previa para 2015, ano anterior ao dos dados acima, a redução do analfabetismo, que abrangeria apenas 6,5% da população… Prevê ainda a erradicação total do analfabetismo no Brasil para 2024, daqui a sete anos. Além de Cuba, já eliminaram o analfabetismo, na América Latina, Venezuela, em 2005, e Bolívia, em 2008.

Entre os jovens de 14 a 29 anos, 33,4% estavam empregados mas não matriculados em uma escola, em 2016. Estudavam e não trabalhavam 32,7%. Estudavam e trabalhavam 13,3%. E o mais grave: a turma do nem nem, que nem estudava nem trabalhava alcançava o índice de 20,5%, ou seja, 24,8 milhões de jovens daquela faixa etária.

De cada 100 alunos que concluíram o ensino médio, apenas 7 aprenderam o suficiente em matemática, e 28 o conteúdo básico de língua portuguesa.Quantos de nossos universitários são capazes de fazer cálculos simples sem uso de calculadora ou redigir uma carta sem graves erros de gramática?

Apenas 53% dos adolescentes de 15 anos chegam ao ensino médio, com 34% deles ainda no ensino fundamental. Na média dos países ricos, 90% dos estudantes entre 15 e 17 anos já chegam nesta etapa.

Houve algum avanço no Brasil: a fatia de estudantes que concluíram o ensino médio subiu de 53%, em 2010, para 64%, em 2015.

Porém, na educação infantil os índices estão abaixo da média. Apenas 3,1 milhões de crianças de 0 a 3 anos frequentam creches, o que equivale a 30,4% da população nessa faixa etária.

O acesso ao ensino superior avançou no Brasil, mas ainda está abaixo da média. Só 15% dos adultos (25-64 anos) chegam a esta etapa do ensino, abaixo de países como Argentina (21%), Chile (22%), Colômbia (22%), Costa Rica (23%) e México (17%).

A diferença de salário entre quem faz faculdade e quem não faz é maior no Brasil do que em outros países: uma graduação pode render salário até 2,4 vezes maior no país, ante 1,5 na média dos países da Europa Ocidental. Se o profissional tiver doutorado, a diferença é de 4,5 vezes, mais do que o dobro da Europa Ocidental.

O salário pago aos professores brasileiros também está abaixo da média – paga-se o equivalente a 13 mil dólares por ano, em média, e 30 mil dólares nos países ricos.

Apesar da gravidade dos dados, Temer continua cortando verbas da Educação.

 

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros.
freibetto.org    Twitter: @freibetto

 


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Impedir a antirreforma da previdência

Frei Betto*

 

Graças à efetiva comprovação de que governo é como feijão, só funciona na panela de pressão, a mobilização popular impediu o Congresso Nacional de aprovar a antirreforma da Previdência proposta por Temer. Agora é hora de esclarecer a opinião pública e pressionar os deputados federais para que, em fevereiro, engavetem de vez essa proposta injusta.

Vamos aos números. O governo mente ao afirmar que a Previdência é deficitária, ou seja, paga mais do que recebe. A CPI da Previdência no Senado comprovou o contrário. Entre 2000 e 2015, o superávit foi de R$ 821 bilhões. Atualizado pela Selic, seria hoje de R$ 2,1 trilhões. Nos últimos 20 anos, devido a desvios, sonegações e dívidas, a Previdência deixou de recolher aos seus cofres mais de R$ 3 trilhões!

A CPI denunciou que um dos meios de desviar recursos da Previdência é pela DRU (Desvinculação de Receitas da União). Entre 2000 e 2015, foram retirados R$ 614 bilhões. Atualizado, esse valor seria hoje de R$ 1,4 trilhão. No ano passado, o percentual de retirada subiu de 20% para 30%. Ou seja, o Planalto toma dinheiro da Previdência para outros fins, e depois a acusa de deficitária…

Segundo Floriano Martins, vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a reforma da Previdência só beneficiará um setor: o sistema financeiro.  Este está ávido para se apossar daquele que será o maior fundo de pensão fechado do Brasil: o dos servidores públicos federais. E, como efeito cascata, do funcionalismo estadual e municipal.

A previsão é que ele se transforme no maior fundo de pensão do Brasil ao longo dos próximos 20 anos. Segundo Martins, o governo abre espaço para oferecer previdência complementar fechada a ser gerida diretamente pelos bancos.

O Planalto quer a reforma a todo custo para entregar a previdência do setor público complementar aos fundos de pensão. Ou seja, conclui Martins, se a reforma passar, o trabalhador brasileiro estará condenado a trabalhar até morrer sem se aposentar.

A grande reforma que o Brasil exige é a tributária, de modo a cobrar mais de quem ganha mais, e menos de quem ganha menos. Um dos buracos da Previdência é o volume de sonegação. E o governo Temer ainda ameniza as dívidas dos sonegadores e alivia aqueles que devem ao Funrural, destinado ao trabalhador do campo.

É uma vergonha o secretário da Receita Federal, Jorge Antônio Rachid, admitir à CPI do Senado que serão precisos 77 anos para cobrar dos sonegadores… Esta é uma grave ofensa à inteligência e à dignidade do povo brasileiro que, com o seu trabalho, cobre os buracos deixados pela sonegação.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da Prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros.
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Ricos pagam menos impostos

Frei Betto*

 

O Brasil tem, hoje, 206 milhões de habitantes. Toda a estrutura do Estado, dos tribunais aos recursos para programas sociais, é mantida pelos impostos pagos por 27 milhões de brasileiros. Portanto, pouco mais de 10% da população sustenta, com seus tributos, todo a máquina pública, dos hospitais do SUS aos jantares oferecidos por Temer no Alvorada.

Dos 27 milhões de contribuintes, 13,5 milhões, a metade, recebem, a cada mês, no máximo o equivalente a cinco salários mínimos (R$ 4.685). É muita gente que ganha pouco e, ainda assim, é obrigada a entregar uma fatia ao Leão. E todos os impostos pagos por essa gente correspondem a apenas 1% do que a Receita Federal arrecada por ano.

Um mínimo de justiça da reforma tributária dispensaria esses 13,5 milhões de trabalhadores de pagarem impostos. E isso reverteria em mais saúde, educação, alimentação, enfim, uma vida menos apertada para todos eles.

Quem mais canaliza recursos para o Leão são pouco mais de 2 milhões de pessoas que ganham, por mês, de 20 (R$ 18.740) a 40 salários mínimos (R$ 37.480).

Apenas 0,5% da população economicamente ativa – pouco mais de 1 milhão de pessoas – ganha por mês de 40 a 160 salários mínimos (R$ 149.920).

E acima desses milionários há ainda uma categoria mais privilegiada, segundo dados revelados pela Receita Federal: as 71.440 pessoas que têm renda média, anual, de R$ 4 milhões, e patrimônio calculado em R$ 1,2 trilhão. Graças a elas o Leão abocanha, por ano, cerca de R$ 300 bilhões – 14% da renda total das declarações de IR.

Em 2013, desses super ricos, 52 mil receberam lucros e dividendos isentos de IR. Do total de rendimentos desses bilionários, apenas 35% foram tributados pelo IR de pessoa física. Já na faixa de quem ganha de 3 a 5 salários mínimos, mais de 90% da renda foram abocanhados pelo Leão.

Portanto, fica evidente que, no Brasil, o trabalhador assalariado paga imposto, o que não acontece com os lucros dos bilionários. Alguém poderia objetar: mas todos pagamos IPTU! Sim, mas os imóveis em bairros de classe alta são taxados na mesma proporção dos que se situam em bairros habitados por famílias de baixa renda. E os imóveis rurais não pagam quase nada de IR, além de obterem crédito barato.

Para alcançar uma boa arrecadação sem pôr a culpa na Previdência, bastaria a Receita Federal cobrar devidamente de 100 mil dos 17 milhões de contribuintes.

Uma reforma tributária deveria, para ser efetiva, isentar todos que ganham, por mês, até 10 salários mínimos (R$ 9.370); adotar o imposto progressivo e taxar mais os ricos, inclusive mudando as regras que lhes permitem isenção e desconto para lucros e dividendos; cobrar Imposto Territorial Rural das propriedades do campo; e tributar as heranças, exceto pequenos valores.

O Brasil tem solução. Faltam apenas vontade política e vergonha na cara.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.
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Correntina e a autodefesa popular

Frei Betto*

 

O preconceito suscita emoção e a emoção conduz à precipitação e, por vezes, a juízos injustos e descabidos. Foi o que ocorreu a partir das imagens, mostradas pelos telejornais, de instalações de uma fazenda em Correntina (BA) destruídas, no dia de Finados, por supostos invasores.

Logo ecoou a grita geral de personalidades conservadoras: “Foi coisa do MST!” Como quem diz: “Coisa de preto”…

A fazenda Igarashi, de capital japonês, situada no oeste da Bahia, tem cinco mil hectares. Para irrigar a sua monocultura decidiu captar água dos rios Correntina, Grande e Carinhanha. Isso em uma região marcada por longos períodos de seca.

Centenas de famílias de pequenos agricultores, que dependem da água dos rios, se sentiram ameaçadas em sua sobrevivência como produtoras e pessoas físicas. Reclamaram junto às autoridades. Não se tomou nenhuma medida.

No dia 2 de novembro, decidiram promover uma ação de protesto na fazenda. Logo atribuída ao MST pelos que “primeiro atiram e, depois, perguntam”. Ora, o MST não se faz presente na região, nem como núcleo de base nem como acampamento ou assentamento.

O protesto das vítimas da ação nefasta do agronegócio nipônico foi organizado por movimentos pastorais e sociais da região, e.atingidos por barragens.

Comprovou-se que os projetos de captação de água não levaram em conta os impactos socioambientais e, assim, secam os rios da região e provocam queda de energia. Havia um evidente processo de monopolização privada dos recursos hídricos.

Desde a década de 1970 se multiplicam violações e crimes do agronegócio naquela área. E as autoridades se fazem de surdas. Em 2000, populares desativaram um canal que pretendia desviar as águas do Rio Arrojado. Manifestações religiosas, conduzidas pelo canto fúnebre das “Alimentadeiras de alma”, foram promovidas para denunciar a morte das nascentes. Romarias, com milhares de pessoas, alertaram para a destruição dos Cerrados.

Em 2015, um grande ato com 6 mil pessoas tentou impedir a outorga de água para as duas fazendas alvos dos protestos recentes. O ato foi ignorado pelos órgãos ambientais da Bahia, que autorizaram a exploração de 183 mil metros cúbicos/dia.

Este volume de água, canalizado para apenas duas fazendas, equivale a mais de 106 milhões de litros diários, suficientes para abastecer, por dia, mais de 6,6 mil cisternas domésticas de 16.000 litros na região do semiárido. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, agrava-se a situação devido à crise hídrica do Rio São Francisco. Hoje, a barragem de Sobradinho, considerada o “coração artificial” do rio, se encontra com o volume útil de apenas 2,84%. E a água consumida pela população de Correntina, aproximadamente 3 milhões de litros/dia, equivale a apenas 2,8% da vazão retirada pela fazenda do Rio Arrojado.

O povo de Correntina exerceu o seu direito democrático de chamar a atenção das autoridades e da opinião pública para o sedecídio a que está sendo injustamente condenado.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
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O trabalho escravo e a vergonha nacional

Rodrigo Carelli*

 

A Lei Áurea representou o fim da escravidão como modelo econômico e da legitimação da utilização do ser humano como coisa no Brasil. Entretanto, de forma alguma representou alteração completa das condições de vida e de trabalho da maior parte dos trabalhadores antes legalmente escravizados. A inserção do negro na sociedade livre brasileira se deu sem qualquer apoio estatal, forçando-os a se manter em situação análoga a que viviam na época da escravidão legalizada.

Isso fez com que o legislador previsse no Código Penal, ainda em 1940, o crime a redução de pessoa à condição análoga à de escravo. O tipo penal, no entanto, tornou-se letra morta, pois a interpretação restritiva dada pelos tribunais impediam qualquer condenação, sob o argumento de que formalmente os trabalhadores estavam livres: somente a sua condição impedia o exercício da liberdade.

Após décadas de negação, o governo brasileiro foi processado em 1994 (Caso José Pereira) perante o Sistema Interamericano dos Direitos Humanos, firmando acordo em 2003 no qual admitiu a vergonhosa situação espraiada de trabalhadores em condição escrava em nosso território.

O reconhecimento do problema foi o primeiro passo para a busca de sua solução. Nesse mesmo ano, como parte do acordo firmado perante a Corte Internacional, houve a alteração do tipo penal, que se desdobrou em duas formas: o trabalho em condições análogas à de escravo por cerceamento de liberdade e o trabalho em condições análogas à de escravo por degradação e indignidade. Outras obrigações foram assumidas por nosso país, como a lista suja e a criação dos grupos especiais de combate à chaga.

Logo nosso país se tornou exemplo mundial de combate ao trabalho escravo, sendo elogiado pela Organização Internacional do Trabalho.

A reação daqueles que não desejam que a modernidade chegue ao Brasil não tardou. Conseguiram suspender temporariamente a lista suja e asfixiar financeiramente o grupo móvel de fiscalização.

No entanto, após as tentativas de retrocesso na legislação mostrarem-se infrutíferas no Congresso Nacional, eis que, por meio de portaria do Ministério do Trabalho, a lei – objeto do acordo internacional – foi modificada. A alteração não poderia ser feita de forma mais antidemocrática: um ato de pasta de Poder Executivo alterando uma lei votada no Parlamento.

Porém, não é só a forma que preocupa: a lei nos empurra de novo para a época da Lei Áurea. Em uma canetada ministerial, realiza-se a restrição do conceito de condições análogas à de escravo, em termos simplesmente impossíveis de serem encontrados e provados. Os termos da portaria são ainda mais restritos do que os da legislação de 1940. Novamente o governo brasileiro vai declarar que não há mais escravos no Brasil. Como fez o famoso juiz do livro “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, será declarado que não há e nem nunca existiram os trabalhadores. O governo não conseguirá, no entanto, eliminar o sentimento de vergonha dos brasileiros perante o resto do mundo.

 

* Rodrigo Carelli é professor na UFRJ e Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro

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Justiça às avessas

Frei Betto*

 

O ator de filmes pornô Alexandre Frota declarou em programa de TV, em 2015, que estuprou uma mãe de santo até ela desmaiar. Como era de se esperar, Eleonora Menicucci, então à frente do Ministério das Mulheres, repudiou a apologia ao crime.

Em maio de 2016, o ministro da Educação do governo Temer, Mendonça Filho, recebeu em audiência Alexandre Frota, para ouvir propostas para a educação básica e defender o projeto “Escola sem partidos” (exceto os conservadores).

Em nota na Folha de S. Paulo, Eleonora Menicucci declarou: “Lamento, como ex-ministra e cidadã, que o ministro golpista Mendonça Filho tenha recebido, como primeira pessoa da sociedade civil, um homem que foi à TV e fez apologia do estupro. Fico muito preocupada com a educação de nossa juventude, e lamento muito.”

Alexandre Frota decidiu, então, processar a ex-ministra por danos morais. Pediu R$ 35 mil de indenização. Em setembro de 2016, na audiência de conciliação, ele sugeriu que ela pedisse desculpas, o que não foi aceito.

Em maio deste ano, a juíza de primeira instância Juliana Nobre Correia emitiu sentença condenando Eleonora Menicucci a pagar R$ 10 mil a Frota, alegando que ela ultrapassara o limite da crítica.

Em agosto, teve início o julgamento do recurso em segundo instância, e a relatora, Fernanda Melo de Campos Gurgel, proferiu voto a favor da juíza que condenara a ex-ministra.

Que país é este em que mulheres defendem quem faz apologia do estupro e condenam quem ergue a voz em prol da dignidade das vítimas; juízes repassam ao Congresso Nacional, repleto de corruptos, o direito de julgar seus pares; um rapaz é preso acusado de traficante por ser pobre e estar bem vestido e, em seguida, sua mãe é assassinada por policiais do Bope-Rio por defender o filho? Que país é este no qual dois amigos do presidente são flagrados com malas de dinheiro; Temer recebe na calada da noite o dono da JBS que confessou ter corrompido quase dois mil políticos; e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes?

Talvez os olhos vendados do símbolo da Justiça não representem isenção nos julgamentos, e sim vergonha por tantas inversões judiciais. Bem recomenda Chico Buarque: “Chame o ladrão… chame o ladrão…”

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     Twitter: @freibetto

 



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Banco público para quê?

O que vemos hoje é a destruição de todas essas políticas públicas. E o desmonte dos bancos públicos faz parte dessa estratégia

 

Adriana Nalesso*

 

Privatização: palavra que está na ordem do dia. Entre o ódio e a revolta, frases como “privatiza tudo”, “vamos acabar com os cabides de emprego” e “Estado só deve cuidar de saúde e educação” correm soltas nos posts e na boca do povo. Repetir sem refletir é tão fácil quanto perigoso.

Em meio a tanto radicalismo, levantamos, com convicção, a bandeira do diálogo e defesa dos bancos públicos. E antes que você, leitor ou leitora, tenha seu pensamento tomado pelas frases acima, convidamos à leitura de informações concretas sobre o papel dessas instituições.

Há razões políticas, econômicas e sociais para que bancos públicos existam na maioria dos países. No Brasil, basta pensar no crédito imobiliário, no crédito rural e no financiamento para infraestrutura e para as indústrias. Trocando em miúdos: a compra da casa própria, de equipamentos e sementes por agricultores, o investimento em tecnologia, a construção de estradas e pontes. Tudo isso passa pelos bancos públicos. A Caixa, o Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social são responsáveis por 80% do financiamento do crédito de longo prazo no Brasil.

São essas instituições também que viabilizam os projetos sociais que têm papel fundamental na redução da desigualdade no país. De 2011 a 2016, as loterias da Caixa arrecadaram R$ 60 bilhões. Desse total, R$ 27 bilhões foram destinados para áreas sociais. Programa de Financiamento Estudantil, o Fundo Penitenciário Nacional e programas de incentivo ao esporte e à cultura estão entre os beneficiados. Estes recursos não podem e não devem estar na mão de bancos privados que visam ao lucro, não o bem-estar social.

O que vemos hoje é a destruição de todas essas políticas públicas. E o desmonte dos bancos públicos faz parte dessa estratégia. Um exemplo concreto é o do Banco do Brasil, que em menos de um ano fechou 570 agências no país e no exterior.

Defender os bancos públicos é defender empregos de bancárias e bancárias de todo o país que prestaram concurso e construíram suas carreiras nestas instituições. Mas é, principalmente, manter a luta por um país melhor e para todos e todas, não apenas para os grandes banqueiros que aguardam ávidos a oportunidade de colocar a mão nesse patrimônio que pertence ao povo brasileiro.

 

* Adriana Nalesso é bancária do Bradesco, economista e presidenta do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro

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Retrocesso Brasil: a arte em risco

Frei Betto*

 

Qual o limite da expressão artística? A pergunta volta à baila após a repressão à liberdade de manifestação estética promovida pelo MBL (Movimento Brasil Livre) no Santander Cultural, em Porto Alegre, com desdobramentos em outros museus do país.

A arte é transgressora por natureza. Nos faz pensar. É o espelho que reflete o nosso inconsciente. Narciso pode quebrá-lo por se achar feio. A feiura, contudo, não está no espelho…

A arte molda a nossa sensibilidade. Diz respeito à emoção. Quando a ela se sobrepõe a razão, em especial a razão cínica, que a sufoca com interesses políticos e moralismo religioso, perde a nossa humanidade e emerge a brutalidade.

As tragédias gregas nos legaram a arte teatral e são referência básica da psicanálise. Por retratarem incestos, feminicídios e homossexualidade, devem ser proibidas nas escolas e queimadas em praça pública?

A cerâmica Oinoche, da Grécia (430-420 a.C.), com suas figuras eróticas, deve ser destruída em nome dos bons costumes? Devemos apagar as pinturas rupestres e as esculturas paleolíticas da civilização Moche, que habitou o norte do Peru entre 100 a.C. e o ano 800?

As joias em ouro e prata e cerâmicas pré-colombianas, nas quais cenas de sexo foram estilizadas, hoje espalhadas pelos museus da América Latina, devem ser lançadas ao fogo?

E as vulvas estilizadas do gótico e das colunas do Palácio da Alvorada, derrubadas a marretadas?

Michelangelo pintou nus em o “Juízo Final”, na Capela Sistina. A hipocrisia da Inquisição obrigou o pintor Daniel de Volterra a cobrir todos eles. Felizmente o papa João Paulo II mandou restaurar a arte original.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto

 


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