Especialistas afirmam: bancos públicos são fundamentais

O I Ciclo de Palestras em Defesa da Caixa Econômica Federal, realizado na noite da última quarta-feira, teve a presença de Maria Fernanda Ramos Coelho, ex-presidente da Caixa, e dos economistas Maria Cristina Penido Freitas e Fernando Nogueira da Costa. Todos falaram da importância da Caixa continuar estatal e da importância dos bancos públicos para a sociedade brasileira.

A mesa de abertura teve a presença de Jair Pedro Ferreira, presidente da Fenae, que falou sobre a campanha Se é Público, é para Todos. A campanha, lançada em junho deste ano, defende a ideia de que as empresas e os serviços públicos são fundamentais para garantia da soberania e dos direitos sociais da população. Adriana Nalesso, presidente do Seeb-Rio, coordenou a mesa e lembrou que sua carreira como bancária começou como estagiária na Caixa e, em seguida, prestou concurso para o Bemge. Quando o banco estadual mineiro foi comprado pelo Itaú, não só a rotina de trabalho mudou, mas as condições pioraram.

Política econômica e concentração de renda

A primeira palestra foi com o economista Fernando Nogueira da Costa, professor do IE-Unicamp, ex-vice-presidente da Caixa e ex-diretor executivo da Fenaban. Ele demonstrou, com números, que os bancos públicos são a porta de entrada do que chama de cidadania financeira, que é o acesso da população mais pobre ao crédito. Ele destaca que esta conquista está ameaçada desde 2014, com a volta da política econômica neoliberal adotada por Dilma para acalmar o mercado financeiro.

Fernando também demonstrou, em sua apresentação, como a alta dos juros prejudica principalmente a população de menor renda. Usando análises do Fundo Garantidor de Crédito e da Anbima, Fernando conclui que houve aumento significativo da concentração de renda em função da alta dos juros. De acordo com dados do FGC, em dezembro de 2015, apenas 126,295 mil contas – 0,1% do total de 221.295.662 – tinham saldo que somava R$ 752.365 bilhões, ou 40,8% do montante investido. O economista destaca, ainda, que ouve uma queda acentuada no número de contas bancárias, especialmente entre os clientes de menor renda, tendo caído de 221,295 milhões em fins de 2002 para 133 milhões em dezembro de 2015. Já o segmento premium registrou aumento no número de contas correntes e o patrimônio de cerca de 10 mil clientes atingiu o valor de mais de meio trilhão de reais.

O professor destaca a diferença entre o que chama de instituições extrativistas – como é o caso dos bancos privados, que só querem aumentar sua renda – e as inclusivas, que fomentam a atividade econômica e permitem o acesso ao crédito. Fernando também criticou duramente a PEC 55, que prevê o congelamento de investimentos públicos por 20 anos. “Depois de vinte anos de ditadura militar, teremos vinte anos de ditadura econômica”, resumiu, destacando que nenhum governo, mesmo que democrático, que chegue ao poder até 2036 poderá alterar os montantes, mesmo que haja aumento da população e da demanda por serviços.

A importância da proteção social

Maria Fernanda Ramos Coelho destacou que o desmonte da rede de proteção social faz parte do conteúdo do golpe. “As pessoas estão começando a perceber o que deu origem ao golpe. O que está em jogo é a vida e a esperança dos mais pobres. E o que está em risco é o emprego e os direitos sociais duramente conquistados”, avalia a executiva. Ela ainda destaca que, no mesmo dia em que foi consumado o impeachment da presidenta Dilma Roussef o recém-empossado Michel Temer enviou ao Congresso as medidas provisórias 726 – que extinguiu ministérios e a Controladoria Geral da União – e 727, que, segundo Fernanda, é uma cópia da lei 9191 de 1997, que criava o Programa Nacional de Desestatização. “estas duas MPs são o cerne do golpe, que pretende privatizar empresas e serviços públicos e reduzir os investimentos para a proteção social”, destaca.

Maria Fernanda citou o crescimento dos bancos públicos federais com o aumento da oferta de crédito, na reação à crise de 2008. “A Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES cresceram 11% neste período”, lembrou. Agora, com o governo Temer, a situação e a atuação destes bancos já mudou. “As taxas de juros já foram elevadas a um patamar igual ao dos bancos privados e anunciaram a privatização de segmentos, como a Lotex. É o mesmo processo dos anos 90, mas é mais voraz”, compara a ex-presidente da Caixa.

Com a ofensiva do governo federal sobre as empresas públicas – e a lembrança do trágico processo de sucateamento no passado – é natural que os trabalhadores fiquem apreensivos e até desestimulados. Mas Maria Fernanda acredita que o caminho para o enfrentamento é construir pontes. “Em primeiro lugar, é importante que se faça isso que estamos fazendo agora: processo formativo. Com palestras, discussões, esclarecimento. Em segundo, temos que colocar a pauta cidadã e retomar o ‘trabalho de formiguinha’, conversando, explicando para as pessoas o que está acontecendo, para mobilizá-las. E, em terceiro, temos que manter firme nosso orgulho de trabalhar na Caixa. Isso a gente não perde, ninguém tira. E quando a Caixa mexe, o Brasil mexe”, concluiu.

Papel regulador da economia

A economista Maria Cristina Penido de Freitas apresentou conceitos de bancos públicos sob diferentes pontos de vista. A visão conservadora considera que os bancos públicos são ineficientes e não lucrativos. Já os economistas não-ortodoxos entendem que estas empresas podem ter custo elevado, mas seu papel de prestar serviços à população é importante. “É totalmente ideológico dizer que banco público é ineficiente”, afirmou Maria Cristina.

Segundo a professora, mesmo os economistas conservadores já admitem que os bancos públicos são importantes, uma vez que têm atuação decisiva através de medidas anticíclicas, que são adotadas quando os governos precisam intervir na economia para conter crises. Mas, ainda assim, dizem que seu custo é alto. “Como não têm como negar a importância, dizem que a gestão tem que ser ‘profissional e independente’, de mercado. Mas, se os executivos tiverem este perfil, qual a garantia de que vão trabalhar para que o banco público atue como deve?”, questiona.

Maria Cristina lembrou que, com a crise de 2008, vários bancos privados europeus foram estatizados – um socorro dos governos – e alguns voltaram a ser privatizados anos depois. A economista aponta que a Polônia foi o único país da Europa que não entrou na crise, justamente por ter bancos públicos predominando no seu sistema financeiro. No mundo todo os países com sistema misto saíram mais rápido da crise do que aqueles com sistema financeiro composto exclusivamente por bancos privados.

No Brasil o impacto da crise foi mais leve porque os governos Lula e Dilma intervieram. Lula, estimulando a produção e o consumo, com a redução de IPI, e usando de mão firme com as empresas que ameaçaram demitir em massa. Dilma, forçando a queda dos juros bancários ao impor a redução ao BB e à Caixa. Isto acabou levando os bancos privados a baixar taxas também, para não correrem o risco de perder clientes. E, para Maria Cristina, este foi um movimento importante para a economia, mas o preço foi alto: “O governo Dilma começou a terminar quando forçou a queda dos spreads bancários”, afirmou.

A economista defende que os bancos públicos devem ser integralmente controlados pelo governo, e não com capital aberto, o que os obriga a agradar aos acionistas. “É nítida a diferença entre o Banco do Brasil e a Caixa. O BB se comporta como um banco de mercado”, avalia. Para a professora, os bancos públicos têm que ser rentáveis, gerar lucro que possa gerar capital, até para manter o próprio equilíbrio e para estar de acordo com normas internacionais. Mas não precisam apresentar o mesmo patamar de resultados que os privados. “Os bancos públicos têm que ter transparência e prestar contas à sociedade. Mas a eficiência tem que ser avaliada de outra forma. Os critérios e objetivos são distintos, concluiu Maria Cristina.

O I Ciclo de Palestras em Defesa da Caixa Econômica Federal foi promovido pelo Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro, juntamente com a Contraf-CUT, a Fetraf-RJ/ES, o Comitê em Defesa das Empresas Públicas, a Fenae, a Apcef-RJ e demais entidades do funcionalismo da Caixa.

 

Fonte: Fetraf-RJ/ES