“Inflação futura” é conversa de patrão para não dar reajuste a bancários

Bola de cristal da Fenaban está com defeito:
inflação deste ano foi quase igual à de 2015

As justificativas que a Fenaban tem dado para negar a reposição da inflação e o aumento real aos bancários não poderiam ser mais infundadas. O argumento de que a projeção para a inflação futura é de queda não se sustenta sob nenhum raciocínio honesto. Primeiramente, reajustes salariais existem para recompor o poder de compra do trabalhador, que foi corroído pela inflação dos 12 meses anteriores à data-base. Portanto, o que vem pela frente não importa para este cálculo. Em segundo lugar, a inflação futura é uma projeção, ou seja, uma expectativa, e não há nenhuma garantia de que se concretize.

Assim foi em 2015, quando os banqueiros usaram este argumento pela primeira vez (veja aqui matéria de setembro de 2015). A primeira proposta da Fenaban no ano passado também foi de índice abaixo da inflação e abono salarial, com a justificativa de que a inflação cairia. Mas não foi isso que aconteceu: em 1º/09/2015 o INPC foi de 9,88% e o índice teve queda irrisória doze meses depois, ficando em 9,62%. “A todo o momento estamos cobrando, na mesa de negociação, que as previsões anteriores não se concretizaram. Os talentos dos banqueiros como videntes são bem fajutos, previram que a inflação diminuiria, mas a queda foi só de 0,26%. Os trabalhadores não vão ser ingênuos de acreditar nessa conversa e aceitar o que a Fenaban ofereceu”, adianta Nilton Damião Esperança, presidente da Fetraf-RJ/ES e representante da base no Comando Nacional.

A inflação futura, além de não servir para repor as perdas do passado, é uma aposta muito arriscada. “A previsão do governo é de que haja queda na inflação no final deste ano. Mas isso não quer dizer nada, as projeções mudam constantemente”, ressalta Vivian Machado, economista da Subsessão do Dieese na Contraf-CUT. Além disso, a previsão não está considerando o aumento de preços que acontece sempre nos últimos meses. As festas de fim de ano, o 13º, as contratações temporárias, tudo isso gera o que os especialistas chamam de “pressão da demanda”, ou seja, as pessoas têm algum dinheiro e estão dispostas a gastá-lo. Isso faz os preços subirem. “Se a projeção não considera fatores sazonais como este, não pode ser levada em consideração”, critica Vivian.

Abono cala-boca

Outro problema é o abono oferecido, que representa perdas para os trabalhadores. A Fenaban apresentou uma conta para tentar convencer os bancários de que a soma do índice de reajuste com o abono vai chegar a 15%. Mas esta conta só fecha para os salários mais baixos e não considera o valor do abono depois do desconto do imposto de renda. Como este valor não é incorporado pelos salários, não pode ser usado como base de cálculo para fatores como FGTS, 13º e abono de férias. Assim, acaba sendo uma perda. Além disso, no ano que vem o reajuste vai ser sobre o salário deste ano, sem abono. “Para quem recebe até R$ 3 mil de salário, o abono, dividido pelos 12 meses, representa um valor mínimo, e ainda há todas as outras perdas. Não compensa”, conclui Vivian Machado.

Sem contrapartida

A crise econômica, justificativa-padrão para qualquer proposta rebaixada, não chegou aos bancos. O lucro de 2015 chegou a patamares astronômicos e, mesmo que os resultados sejam inferiores em 2016, os bancos ainda têm muita gordura para queimar. “Tem muitos fatores que influenciam o resultado final. Este ano, por exemplo, o que vai derrubar o lucro dos bancos é imposto. Ano passado, ao invés de pagar, os bancos tiveram crédito tributário, o que elevou os lucros. Mas o resultado operacional que os bancos tiveram até agora está até maior que no ano passado”, destaca a economista do Dieese.

Mas banqueiro gosta de ganhar, e de ganhar muito. Apesar da inadimplência de pessoa jurídica, que cresceu este ano – em parte por conta de falências provocadas pela Operação Lava-Jato – os bancos continuam lucrando. “Mesmo assim, negam reajuste aos trabalhadores e cobram, dos clientes, tarifas e juros cada vez maiores. A Fenaban precisa apresentar uma proposta de reajuste salarial compatível com os ganhos que o sistema financeiro tem apresentado e reduzir juros e tarifas que impõe à população”, critica Nilton Damião Esperança.

Nem reajuste, nem garantia de emprego

Uma das reivindicações mais importantes dos bancários é a garantia de emprego. Os bancos têm demitido e encerrado milhares de postos de trabalho a cada ano e os bancários vivem com o pavor da demissão. Mas a Fenaban não está disposta a fazer nada a respeito. “Quando perguntei sobre isso, o representante da Fenaban disse que não pode obrigar mais de cem bancos a não demitir, já que o acordo é nacional. Ora, a organização dos bancários também é nacional e em nenhuma conferência, estadual ou nacional, os bancários discutiram ‘perdas futuras’, só discutimos reposição da inflação. Eles acham que devemos aceitar algo que nem foi discutido, enquanto esperam que os bancários ‘entendam’ que os bancos não podem dar garantia de emprego”, critica Nilton.

Sem reposição da inflação, com abono cala-boca e sem garantia de emprego, não há como discutir o fim da greve dos bancários. “Queremos uma proposta decente”, conclui o presidente da Fetraf-RJ/ES.